87. A Batalha no Castelo
[Antes: 86. Na Taberna em Eredra]
Mais de dez mil alamanos se amontoavam no torreão situado na margem leste do Celtik, prontos para invadir a cidadela de Joy Divile, no outro lado do rio, onde menos de cinco mil velgas aguardavam pela batalha final. Ferido, Jules Flanagan tinha se somado às defesas do Castelo do Conde, e ainda tentava levantar a moral das tropas de resistência, que já tinham perdido seu general, Sin Kali.
Os velgas tinham montado mais uma barreira na colina, logo após a travessia da ponte, na muralha. Se os bárbaros a superassem, chegariam à cidadela, que ainda contava com duas torres seteiras e a fortaleza de resistência, no Castelo. Havia muitas pessoas aguardando a invasão, inclusive os nobres, moradores da cidadela. Se Ighan fosse o vencedor naquelas condições, certamente mataria todos os jovens e homens adultos, mas pouparia a vida dos velhos, mulheres e crianças.
Na resistência, houve quem sugerisse que o Conde colocasse fogo nas cercanias, mas ele estava decidido a poupar a cidadela que tanto amava. O nobre também sabia que, se propusesse algo do tipo, certamente muitos se voltariam contra ele, pois aquelas terras eram tudo para muitas famílias locais. Eram filhos, sobrinhos, irmãos, lutando juntos para defender suas propriedades contra os invasores, e a tática de terra arrasada não era uma opção. Pelo mesmo motivo, não tinha permitido que derrubassem a ponte secular, feita de pedra, que ligava as duas margens. Ao contrário, até preferia que os inimigos viessem em fila, o que tornaria mais fácil o enfrentamento. Mas Ighan não cairia naquela armadilha, e seus homens já preparavam as canoas para transportar as tropas para o outro lado do rio.
A catapulta gigante, montada na outra margem do rio, dessa vez não seria uma ameaça, pois não tinha alcance para tal. Mas o próprio Rei de Saravessa tinha avisado a seus homens que não toleraria que Joy Divile fosse destruída. Afinal, ele estava lá para recolocar o “verdadeiro” Conde no poder, não para arrasar a cidadela.
No meio da noite, o silêncio das águas calmas da foz do Celtik disfarçava a tensão ao redor. Quando os primeiros bárbaros começaram a remar para atravessar o rio, os arqueiros da muralha entraram em ação. Entre eles, estavam o tigunar Fininwus e o velga Desigon Salvis, cheios de Poeira Cristal nas ideias. As primeiras flechas erram o alvo, mas logo os dois acertariam a mira, fazendo inúmeras vítimas entre os inimigos, que eram muitos. Enquanto isso, na ponte, os alamanos tinham montado uma formação com escudos para se defender dos arqueiros, e os primeiros deles já recebiam combate à da muralha.
No pelotão de infantaria, os vilandos Putauns e Nel Sunerdj, um anão enorme, deram as “boas vindas” aos invasores. Putauns logo derruba um inimigo, mas Nel toma uma porrada dolorida no alto do crânio, que faz vibrar seu capacete de metal. A luta se desenrolava franca na entrada da cidadela, mas as forças bárbaras não paravam de ser reforçadas com as tropas que continuavam a atravessar a ponte e os primeiros a desembarcar na margem do rio.
As forças de defesa conseguem conter o ímpeto inicial do ataque, reduzindo a desvantagem numérica entre os exércitos, que ainda assim continuava sendo decisiva. No campo de batalha à frente da muralha, os vilandos estavam tendo sucesso no combate corpo a corpo, enquanto Desigon e Fininwus continuavam fazendo muitas baixas com suas flechas em direção ao rio.
– Eles vão se arrepender de invadir Joy Divile! – Gritou Fininwus, percebendo que alguns bárbaros já estavam conseguindo escalar a muralha, e em breve a luta corporal seria inevitável por ali também.
Na torre, o mago elemental Nimis Sulidas se juntou aos companheiros para ajudar a combater os inimigos com fogo. Desigon é o primeiro a ter de largar o arco para lutar contra um alamano, e acaba recebendo um golpe forte que rasga sua cota de malha, na altura do peito. Encurralados no alto da muralha, ele e Fininwus são obrigados a lutar de costas um para o outro. Enquanto isso, no chão, o anão Nel já estava cercado por três inimigos e acaba sendo derrubado e morto. Putauns continuava lutando contra três ou quatro alamanos ao mesmo tempo, com toda aquela raiva e energia que o pó poderia lhe proporcionar.
Quando todas as tropas inimigas já tinham atravessado o rio, o domínio territorial era visível, e a invasão do castelo era uma questão de tempo. As batalhas tomavam todos os lugares. Nimis estava dando um grande prejuízo projetando chamas nos invasores quando foi alvejado de longe por uma flecha traiçoeira que perfurou seu estômago. O mago agonizou por um bom tempo no alto da muralha antes de morrer. Perto dali, Fininwus e Desigon também acabam mortos em combate, juntados sem piedade por cinco alamanos que conseguiram escalar até o alto da torre.
Percebendo que os bárbaros já tinham entrado na cidadela, Putauns recua para dentro dos limites da muralha, onde encontra Fehujinis, irmão de Nel, também ele um anão imenso, lutando contra vários alamanos. Os vilandos se ajudam para derrotar os inimigos, mas não tinham descanso por um segundo.
– Chupa alamano filho da puta! – Berrou Fehujinis com ódio mortal.
Os dois continuam resistindo por algum tempo, até perceberem que os alamanos já eram maioria no campo de batalha. Sem opção, eles seguem o comando de Jules Flanagan, que continuava na guerra lutando com apenas um braço, e todos se refugiam no interior da fortaleza do Castelo do Conde. Agora restavam apenas cerca de dois mil velgas no último bastião da resistência. As baixas entre os inimigos também eram muito significativas. Rios de sangue escorriam pelas ruas da cidadela, e os bárbaros já avançavam literalmente caminhando sobre uma pilha de cadáveres. Do exército invasor, pouco menos de cinco mil homens tinham sobrevido até ali.
Percebendo que aquela última investida poderia custar a vida de todos, Ighan Pendragon posiciona suas tropas na colina ao redor do castelo e envia três mensageiros para se comunicar com o comando da resistência.
– Não vai entrar não! – Gritou Fehujinis, já certo de que o irmão tinha morrido, pois não estava ali com eles entre os últimos sobreviventes.
Com o estandarte de Saravessa erguido, e sinalizando um pedido de trégua momentânea, os três cavaleiros se aproximam do portão principal do castelo. Fehujinis lança uma flecha na direção dos caras, que cai na frente de um cavalo, que empina. Preocupado, um dos mensageiros balança o estandarte, apelando aos códigos de guerra.
– Vamos ouvir o que têm a dizer. – Diz Jules Flanagan, pedindo calma aos comandados.
Ao lado do jovem oficial, o Conde Nargus dá seu aval para a proposta. Um dos guardas da torre principal grita para as tropas:
– Não ataquem! O Conde quer ouvir o mensageiro!
O mensageiro leva uma mensagem escrita por Ighan em um papiro:
“Lutaram como bravos, e por isso posso poupar a vida de todos.
Se houver rendição, estou disposto a manter o título com Nargus.
Angus receberá outro condado na região, e todos mantém suas propriedades.
Se não houver rendição, a guerra pode ser decidida com menos sangue.
Uma luta de vida ou morte entre dois campeões pode resolver tudo.
Quem perder sai da cidadela sem a necessidade de mais lutas”.
O Conde se espanta com a oferta, que parecia muito boa, considerando a situação em que se encontravam no momento. Entre as tropas, porém, a rendição não era uma opção:
– Que se foda esse filho da puta! – Exclamou Putauns: – Vamos lutar até a morte!
Mas Jules olhou ao redor, tendo a noção de toda a devastação que tinha ocorrido. Se Ighan quisesse, poderia manter aquele cerco por dias, o que certamente acabaria com as chances de defesa da cidadela, a menos que reforços fossem enviados. O Conde Nargus parecia satisfeito inclusive com a primeira opção, mas isso significaria a rendição.
– Temos de aceitar a segunda proposta. Já correu sangue o bastante em Joy Divile. Se perdermos, sairemos todos. Mas, se ganharmos, você mantém o título de Conde, Nargus.
O Conde aceita a proposta, e Jules comunica aos mensageiros de Ighan. Insatisfeitos com o resultado da negociação, Putauns e outros soldados recebem autorização para deixar a cidadela em meio à trégua, e rumam para as Terras Altas. Jules pergunta a Nargus qual dos guerreiros era o mais preparado para o desafio, mas o nobre já tinha a resposta na ponta da língua:
– Suva Kaun Dikristus é o nosso campeão.
Suva era um tigunar enorme, com mais de 2,5 metros de altura, extremamente musculoso e treinado nas artes de combate, em todas as armas. Naquele momento, servia como chefe da guarda pessoal do Conde, com a missão de proteger a família do nobre. Comunicado da responsabilidade que recairia sobre seus ombros, o negro aceita o desafio sem pestanejar:
– Atitude de homem do Mestiço. Gostei.
Poucos minutos depois, um dos mensageiros alamanos retorna, informando que o Rei permitia ao Conde escolher onde se daria o combate, mas Ighan tinha decidido o momento: agora. E Nargus deveria assistir a tudo, para garantir o acordo. Com a anuência de Jules Flanagan, o Conde concorda com os detalhes: o duelo seria realizado no pátio do castelo.
Uma comitiva com cinquenta cavaleiros da elite alamana se aproxima do castelo, liderados pelo Rei Ighan em pessoa. Eles traziam o representante de suas tropas para a luta final: Panzer Reich, um bárbaro gigantesco, Arauto de Helgar, cavaleiro da Távola Céltika e atual líder do Pentagrama de Treva. Um sujeito realmente intimidante.
As tropas abrem um círculo no pátio. A arena estava montada para o duelo.
– Vou finalizar esse cara. – Afirma Suva Kaun, já se entupindo com três doses de Poeira Cristal.
Panzer toma a iniciativa e ataca Suva com vontade, usando a Espada Assassina. Aquele era um choque de titãs. Munido com um enorme montante de guerra feito de Vantiun, Suva defende o ataque, mas leva uma desvantagem no contragolpe e se vê obrigado a recuar. Na sequência, o tigunar surpreende Panzer com um golpe preciso que arranca sangue do braço do alamano, animando as tropas velgas que assistiam ao confronto.
Aproveitando o momento e a gana provocada pelo tóxico, Suva parte decidido para o ataque, sem deixar o inimigo respirar. Com golpes fortes em sequência, ele encaixa mais uma porrada firme no alamano, que parecia impressionado com a enorme força do oponente.
– No mano a mano nunca deu pra vocês! – Exclama Suva, mordendo a orelha: – Filhos da puta!
Com um chute no estômago, Suva derruba Panzer, que tenta se defender como pode, se arrastando no chão do pátio. Mas o tigunar continua perseguindo o rival sem descanso, desferindo golpes sem parar, até decepar a cabeça do oponente com um giro preciso de sua pesada espada.
– Eu falei! – Grita Suva, com respingos de sangue no rosto: – Merda!
As tropas velgas comemoram efusivamente. Ighan não podia acreditar no que seus olhos tinham acabado de testemunhar. Sem uma palavra, ele se retira do castelo, e seus homens arrastam o corpo de Panzer Reich para fora, recolhendo a cabeça do campeão alamano. Jules Flanagan olha para o Conde Nargus, satisfeito com a decisão, e depois agradece aos céus por mais um dia de glória em sua vida.
O Rei Ighan Pendragon mantém sua palavra, e as tropas alamanas batem em retirada.
Joy Divile tinha resistido à invasão.