86. Na Taberna em Eredra

Vanther Hal, velga de Van Hal, mago elemental da Dokhe.

[Antes: 85. Guerra no Torreão]

A guerra em Joy Divile chegava aos momentos decisivos quando Krul, Lager, Mit e Vanther entraram na cabana de Luc Kontagon, nos arredores de Shyne. O velho fazendeiro aparentava preocupação com a presença de seus velhos conhecidos:

– Foi todo mundo pra Joy Divile. Inclusive meus filhos, cabeças fracas… – Lamentou o velho: – Foram enfeitiçados pelo Mestiço.

– Luc, a gente não quer ficar. Só precisamos saber se há alguém por aqui que possa nos fornecer alimento, e alguma poção de cura. Sabe onde encontrar?

– Tenho comida, e posso lhes dar um pouco de poção. Mas… Por que não estão defendendo Joy Divile? – Questiona Luc, já repartindo um pouco de pão.

– Há coisas mais importantes do que lutar… – Responde Lager.

– Precisamos ir a Eredra. Sabe como podemos arranjar um barco? – Completa Mit.

– No cais. – Responde o velho, olhando para Krul Petersen: – Mas acho loucura vocês irem para Shyne.

– E como andam as coisas no Bosque Morto? – Pergunta Mit.

– Depois que Ighan tomou o poder, o comércio entre Shyne e Eredra aumentou muito… – Explica o velho: – Os alamanos mantém várias patrulhas por lá.

– Valeu, “tio” Luc. – Agradece Mit: – Temos de ir, obrigado pela comida e pela poção.

Quando saem da fazenda, os quatro decidem atravessar o Bosque Morto a cavalo. Como sabia montar melhor do que Lager, Vanther assume o cavalo do necromante, e Lager segue na garupa de Mit, que era o mais hábil cavaleiro do grupo. O terreno era bem feio, uma vegetação amarelada com muitas folhas secas no chão, fazendo jus ao nome do local.

De fato, era um lugar perfeito para ninhos de cobra, que acabam picando os cavalos de Krul e Vanther. Com a queda de seu cavalo, o oficial da Dokhe consegue rolar para evitar maiores danos, mas o mago elemental se quebra todo no chão. Se não recebesse cuidados médicos imediatos, Vanther provavelmente ficaria paralítico. Os dois animais caídos no chão relinchavam sem parar, sofrendo com os efeitos do veneno.

– Vamos usar a poção de cura! – Grita Mit.

– Só serve para humanos. – Adverte Lager.

– Krul, consegue voltar pra fazenda com Vanther, enquanto eu e Lager continuamos? – Questiona Mit.

– Não. O comando é meu. Um de vocês leva Vanther. – Responde o oficial: – Você conhece a rainha, Maverick?

Mit percebe a gafe. Era apenas um plebeu de Joy Divile. Antes daquela missão, só tinha participado das escaramuças na primeira barreira, em Sunnig.

– Eu volto com Vanther pra fazenda. Vocês seguem. – Diz Mit.

– Não concordo. – Diz Lager.

– Nem eu. – Diz Krul: – O arqueiro é o melhor cavaleiro entre nós. Ele segue comigo.

– Eu não vou levar Vanther. – Responde Lager, convicto.

– Então Mit leva Vanther no cavalo para a fazenda, e nós seguimos a pé. – Sugere Krul; Mit nos encontra depois.

– Isso. Depois eu volto com mais um cavalo, se Luc nos arranjar um. – Concorda o gaulês.

Nas próximas horas, enquanto Krul e Lager seguem a pé para Eredra, que já estava perto, Mit leva Vanther em segurança para a fazenda de Luc, que concorda em cuidar do elemental e ceder um cavalo. No fim da tarde, o oficial e o necromante chegam aos arredores da antiga cidadela de origem rubra, encravada num pontal da costa siméria, tomada há mais de 200 anos pelos bárbaros. Pouco tempo depois, o arqueiro gaulês os encontra, trazendo mais um cavalo.

– Por mim Lager entra pelo portão principal, enquanto eu e Krul vamos para o cais, na encolha. – Sugere Mit, pois gauleses e vulkânicos não eram raças comuns na cidadela.

– Não, cara. Vou pro cais com vocês. – Responde Lager.

Já era quase noite quando os três deixam os cavalos nos arredores do bosque e decidem seguir rumo ao cais. No local, havia uma taberna suja e mal frequentada. Circulando sorrateiramente por ali, escutam conversas de que o exército do Mestiço estava vencendo a guerra contra Joy Divile. Curiosos, decidem entrar no local. O que não foi lá uma decisão muito sensata, pois seis cavaleiros da elite alamana estavam ali, e olharam fixamente para o oficial da Dokhe, parecendo reconhecê-lo.

“Fudeu”. – Pensou Mit.

– Krul?! – Exclama um dos alamanos, já se levantando da mesa: – Whatafuck?! Are you Crazy, man?!

– Maluco é você! Quem é Krul? – Responde Lager, fazendo-se de desentendido.

– Me? Not Krul… – Diz o oficial, fingindo um certo afetamento e arranhando a língua dos bárbaros.

– Quem é esse tal de Krul?! – Reforça Mit Maikon.

A pantomima não convence, e os outros cavaleiros também se levantam da mesa. Mit já puxa o arco e acerta uma flechada na perna de um inimigo, enquanto a confusão se instala no local, com os demais frequentadores se jogando para o chão ou fugindo para fora do estabelecimento. Lager Bier tira um saco do bolso e dá uma cafungada forte numa dose maciça de Poeira Cristal, o máximo que conseguia aguentar.

– Brumas! – Grita Krul, para Lager.

Lager entende o recado e arremessa várias brumas de sono no local, fazendo com que três dos cavaleiros apagassem. Considerando que um deles já estava fora de combate tentando retirar a flecha da perna, a luta seria contra pelo menos dois inimigos. Isto se o resto das pessoas no bar não resolvesse tomar algum partido…

No primeiro ataque, Krul recebe um golpe de raspão no ombro, e Lager consegue conter um cavaleiro. Mit se afasta para acionar o arco mais uma vez, e acerta uma flecha no coração do alamano que estava lutando com o mago, matando-o instantaneamente. Lentamente, os frequentadores da taberna começam a se levantar, mas o oficial logo nocauteia o último bárbaro que ainda estava lutando, com uma cotovelada forte no queixo.

Quando as demais pessoas no local já estavam tomando coragem para atacar o grupo, Lager usa uma de suas brumas de brilho e começa a recitar palavras sem sentido, usando uma língua inexistente. Aterrorizados com aquilo, o pessoal da taberna volta a correr dali, se jogando para os fundos da taberna, por cima de mesas e cadeiras.

– Quero ver alguém ficar… – Murmura Lager para os companheiros.

Com o recinto praticamente vazio, Lager mastiga uma raiz de Cidália e começa a fazer o ritual necromante com um dos alamanos mortos, que parecia ser o chefe do grupo. Acessando as últimas memórias do sujeito, o mago descobre que aqueles cavaleiros estavam ali justamente pra dar cobertura a um galeão que sairia e Eredra naquela madrugada. A embarcação levaria a Rainha Anni para uma viagem sem volta rumo ao continente dos alamanos, uma terra a milhares de quilômetros de distância, mar de Hogan afora, numa travessia transoceânica.

– Se ela embarcar, já era! – Exclama Krul, pensando na missão.

– Temos que buscar a Rainha hoje. – Diz Mit.

– Antes de embarcar… – Completa Lager.

– Conseguiu ver onde ela está agora? – Pergunta Mit.

– Num convento de Hiniar, à beira-mar. Fica perto daqui, na ponta de uma pedra a leste. – Responde o necromante: – Mas não acham melhor a gente se esconder perto do galeão, esperar e atacar?

– Acho mais difícil. – Diz Mit: – Não é melhor seguirmos para onde ela está? Na encolha?

Naquele momento, Krul já olhava para fora da taberna, na direção indicada pela visão de Lager.

– Vamos até lá, cara. – Diz Mit, já preocupado.

– Acho que não vamos conseguir entra lá. – Rebate Lager.

– Agora temos de sair daqui. Em breve o que aconteceu na taberna vai circular na cidadela. – Diz Krul.

Naquele momento, Lager Bier tinha certeza de que Hagalaz o levaria para longe. Intoxicado de Poeira Cristal e pela raiz de Cidália, a combinação tinha provocado uma forte intuição de que, de algum jeito, ele acabaria embarcado no mesmo galeão que levaria a Rainha. Mas nçao estava com medo do destino. Ao contrário, parecia desejar aquilo.

– Então vamos embora avisar sobre o plano dos alamanos. – Sugere Mit, antes de se voltar para o mago: – Se tu já sabe que não dá pra entrar lá, pra que ir?

– Não. Vamos tentar salvá-la. Podemos não conseguir, mas tentar faz parte. – Diz Lager, ainda seguindo sua intuição.

– Então vamos. – Diz Mit, já saindo da taberna com Krul.

Seguindo pela praia na direção leste, os três percebem que só havia duas formas de chegar ao mosteiro: entrando na cidadela ou escalando as pedras no litoral, numa trilha muito perigosa.

– Vamos pelas pedras. – Diz Lager, com toda aquela confiança de um viciado em Poeira Cristal: – Na cidadela já deve estar o maior falatório sobre o mago da taberna.

– Concordo. Mas se resgatarmos a Rainha, temos de pensar em como vamos voltar. – Diz Krul.

– A outra opção é a gente se entocar no barco e ir junto. – Sugere Mit.

– Pro desconhecido? – Diz Lager, com os olhos brilhando.

– Isso. Pro desconhecido. – Confirma Mit.

– Eu topo essa ideia. – Afirma o necromante: – Vamos com ela, galera.

Mas não havia nenhum galeão no cais. No máximo escunas e barcos menores, que claramente não suportariam uma viagem em alto mar. Sem alternativas, eles seguem pelo litoral, caminhando pela trilha de pedras sorrateiramente. Perto do mosteiro, avistam um posto de guarda com três alamanos. Quando já estavam discutindo o que fazer para invadir o local, Krul avista as luzes de uma grande embarcação se aproximando do cais.

– É ele. – Afirma Lager, com a intuição gritando em seus ouvidos.

Poucos minutos depois, já dava para perceber a silhueta de um enorme galeão. Iluminado pela lua Heva, que brilhava no horizonte, o barco deslizava calmamente pelas águas do Mar Exterior, rumo a Eredra.

Agora o alvo estava na mira.

[Continua: 87. A Batalha no Castelo]

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