49. Fuga ou Sacrifício?

Madox Heineken, vulkânico, cavaleiro Dokhe e caçador de Darklands.

[Antes: 48. A Caravana de Klinwater]

Todos começam a olhar ao redor, buscando algum lugar para se esconder. Mas só há terra e pedras no local. Madox tenta encontrar algum buraco grande no chão.

– Acho melhor descer da carroça. – Diz Adjaian.

– Vai lamber as carroças tudo. – Lamenta Kreuber.

– Primeira coisa que vai acontecer. – Concorda Adjaian.

Com muita dificuldade para se comunicar, tanto porque não falava o idioma velga, quando pelo estado de pânico em que se encontrava, Santino tenta explicar que o dragão vai exigir uma mulher e um homem para o sacrifício. Do contrário, vai matar todo mundo. Bia olha feio para o grupo, pois era a única mulher agora.

– Sobrou qual bucha? – Pergunta Kreuber, já dando a resposta: – Santino, pode começar a vestir a calcinha!

– Ele já já está tentando contato conosco… – Diz Bia, com medo. E continua, apavorada: – Já posso sentir sua ira. Malboro sente-se desafiado por estarmos cruzando seu território. Se a gente não demonstrar arrego, ele vai matar a todos!

– E o que ele quer? – Pergunta Manche.

Bia se concentra, mas dessa vez não é preciso emular nenhuma vocalização. De olhos arregalados, ela informa:

– Ele quer um sacrifício.

– Santino ou o moleque bucha? – Ironiza Kreuber.

– Se ele quiser luto com ele mano a mano. – Afirma Adjaian, com convicção.

Kreuber, Madox e Manche começam a gargalhar, debochando do jovem cavaleiro. Mas até Bia, Lend e Ben Sif estranham a resposta. Somente Marbal parece apoiar Adjaian.

– Fala pra ele, Bia. – Insiste Adjaian, concluindo:

– E vocês podem ir. Mas vamos lutar. Ou ele vai ter medo de me encarar, igual o cagão do Manche?

– Beleza. Pra mim tá combinado. O moleque fica. – Responde Kreuber, sem insistir um segundo no contrário.

– Vocês não estão entendendo… – Diz Bia, explicando: – Se alguém tentar lutar com o dragão, não tem arrego. ELE VAI MATAR TODO MUNDO.

Enquanto o grupo discute, Santino tenta fugir com a carroça, desesperado. Pelo teor da conversa ali, ele nem precisava falar o idioma velga para saber que estavam cogitando deixá-lo como sacrifício para o dragão. Kreuber cavalga para interceptá-lo, e logo consegue parar o veículo:

– Vai aonde, Santino? Pediu pra sair? Tá atrasado pra alguma coisa?

Com uma faca apontada para a própria garganta, o jovem soldado ameaça se matar. Gritando e chorando, Santino pragueja aos quatro ventos, e também não é necessário conhecer sua língua para saber que ele xinga com toda a força, pois não deseja servir como sacrifício.

– Tô nem aí. Pode se matar então. E rápido, por favor. Se mata ou para com a palhaçada. – Diz Kreuber.

– Se ele estiver morto, Malboro não o aceitará como sacrifício. Temos que entregar alguém vivo pra Malboro entender que agora nós rendemos homenagens e devoção a ele. – Explica Lend.

– Ninguém decidiu ainda porra nenhuma. Confia em mim… Ninguém vai pro sacrifício não. – Replica Kreuber, nada convincente. E continua: – Baixa essa faca, mané. Você seria o último pro sacrifício. Deixamos Luna com seu povo, em troca de trazer você vivo de volta. Ela é muito importante para nós…

Santino continua histérico, e não entende nem acredita em nenhuma palavra do cavaleiro das Terras Altas. Enquanto tudo isso acontece, o vulto de Malboro se aproxima rapidamente no céu. Madox estima que ele chegará em poucos minutos.

– Cara, estamos perdendo tempo. – Diz Kreuber, preocupado.

– NO SOI PAPÁ DI DRAGÓN! – Grita Santino, chorando, completamente em surto, traumatizado. O jovem soldado já tinha visto vários amigos e familiares serem mortos e comidos por Malboro.

De saco cheio, Kreuber pensa em matar Santino, mas desiste. Madox aproveita a confusão para tentar agarrá-lo por trás. Eles caem no chão embolados, mas o jovem acaba não tendo coragem de se matar. Apenas se fere na garganta. Chorando, Santino se entrega ao desespero, ao mesmo tempo em que é imobilizado pelo caçador. Bia se revolta com a situação:

– Que covardia é essa? Vocês estão loucos?!

– Já disse que eu fico e luto com ele. Corre todo mundo e eu encaro o dragão. – Repete Adjaian, tomando as dores de Bia.

– Por mim já é. – Rebate Kreuber, de pronto.

– Suicídio tentar lutar com Malboro. – Diz Lend.

– Suicídio é ficar parado olhando ele vir. – Replica Adjaian.

– Fala aí, Bia. Qual a sua sugestão? – Pergunta Madox.

– Vamos negociar com ele. – Sugere Lend.

– Negociar o que com Malboro, cara? –Pergunta Kreuber.

– Oferecer o sacrifício. – Responde o chefe da Bruma.

Como Bia não tinha falado nada, Madox pergunta à sacerdotisa:

– Então você tá puta com o quê?Acha que alguém queria fazer isso?

– Vamos encarar, porra. – Diz Adjaian.

– Impossível. A outra opção é fugir e se esconder… – Conclui Lend.

– Fugir nesse descampado?! Só tem pedras aqui! E Malboro já sabe da nossa presença! – Exclama Madox, achando a ideia péssima. Mesmo assim, o caçador já olha ao redor procurando algum abrigo.

 – Eu sou mais a gente oferecer o Santino. – Insiste Kreuber.

– Não podemos oferecer um cavalo? – Pergunta Adjaian.

– Não. Tem de ser um de nós, para configurar humilhação e servidão. – Responde Bia.

– Então sugiro lutar. Puta que o pariu. – Repete Adjaian.

O vulto do dragão já é bem visível no horizonte a noroeste. Tinham perdidos minutos preciosos ali.

– Acho que a melhor opção é o Djavan encarar Malboro sozinho. Ele quer provar que é valente. Vamos dar essa chance pro moleque. – Diz Madox, enquanto segura Santino.

– Já disse. Se Adjaian lutar, Malboro vai querer pegar todo mundo. – Reitera Lend.

– Então vamos deixar ele aqui e ir saindo aos poucos, para ficar de longe, mas não tão longe que ele entenda como uma fuga. Aí quando Malboro chegar, ele come a oferenda. Não vai ter luta. – Sugere Manche, com malícia.

– Muito traíra. Nunca mais me zoa, seu peidão. – Diz Adjaian, puto com a sugestão.

Kreuber começa a rir. Madox responde ao jovem cavaleiro:

– Então chama logo o Malboro pra porrada ou cala a boca. – Diz Madox.

– Simples assim. – Concorda Kreuber.

– Assim que ele chegar vou partir pra dentro. É melhor o cagão correr. – Diz Adjaian, muito irritado.

– Tu vai fazer isso mesmo, moleque? – Pergunta Kreuber, fingindo desconfiança.

– Eu duvido. Repito: eu duvido! Tô te desafiando a fazer isso! – Reforça Madox.

– Já disse. Acho melhor o cagãozinho correr. – Insiste Adjaian.

– Então libera o Santino, Madox. – Pede Kreuber.

– A morte do cara seria calculada… Era só amarrar ele aqui e deixar como oferenda pro Malboro. – Diz Madox, já soltando os braços do jovem soldado, enquanto provoca Adjaian:

– Mas agora eu desafio o Djavan a tomar essa atitude! Quero ver se ele é macho mesmo!

– O moleque concordou em ser o sacrifício. Quando Malboro vier ele luta com ele… – Diz Kreuber.

– Mas aí não é sacrifício! – Lembra Lend, já sem paciência.

– Vai atacar vocês de qualquer forma. – Diz Adjaian.

– Ué? Tá com medo? Vai pra dentro, porra! Amarelão! Ou então cala essa boca e toma atitude de verdade! – Provoca Madox.

– Eu?! Hahahahaha! Tu tá cagado na traíra pra salvar a pele e o amarelão sou eu?! – Responde Adjaian, gargalhando.

– Por mim tá tranquilo. Se o moleque tá a fim de fazer, que faça. – Diz Kreuber, já começando a olhar ao redor para encontrar um esconderijo.

– Tu vai pra porrada mesmo, moleque? – Questiona Madox, já soltando Santino.

– Se não tiver opção sem ser trairagem, sim. – Confirma, Adjaian.

– Então não será mesmo um sacrifício. Malboro só iria aceitar se todos assistíssemos ele devorando a oferenda, de joelhos. – Explica Bia.

Assim que o caçador larga seu braço, Santino imediatamente começa a descer a trilha desesperado, como um cachorro em fuga.

– É.. Vou meter o pé também, pra salvar a pele. – Diz Manche.

– Agora é contigo, Djavan. – Diz Madox, já se preparando para partir.

– Já falei pra vocês correrem. Ficar de joelhos é o caralho. – Devolve Adjaian, muito puto.

– Se vocês quiserem, posso tentar um contato com Vitiferralis. – Diz Sif, já no desespero.

– Ficou maluco?! A gente tá querendo melar os planos dele, e tu quer contatá-lo?! – Exclama Madox, estarrecido.

Sif lembra do quanto seu mestre era rigoroso no tempo em que serviu como discípulo. Era chamado por ele de “carangueijo”, porque parecia que só andava pra trás. Quase nunca falava com os aprendizes, e usava uma vara de goiabeira para bater nas articulações dos dedos, quando alguém errava algum exercício. Era mesmo melhor deixa-lo quieto.

– Caralho, Sif… Tu vai fazer merda. Deixa esse filho da puta na dele. Mexe com isso não. – Pede Madox, antes de sugerir: – Se entocar é a melhor cois que tu pode fazer por sua vida agora. É isso ou então ficar pra lutar junto com o Djavan.

– Então foda-se o resto? É isso mesmo que estçao dizendo? – Questiona Sif.

– Exatamente. – Diz o caçador, já puxando o cabresto do cavalo.

Madox sai a galope buscando alguma toca. Kreuber segue o caçador, tentando se aproveitar das habilidades de rastreamento. Infelizmente para o cavaleiro das Terras Altas, Madox encontra uma pequena rachadura numa pedra, suficiente para esconder apenas uma pessoa. Ele enxota seu cavalo, para que o animal não denuncie sua localização. Kreuber então segue galopando, olhando para todos os lados. Enquanto isso, Manche já tinha atrelado dois cavalos à carroça e seguia à toda velocidade descendo a trilha para leste.Kreuber tenta segui-lo, mas Manche grita em sua direção:

– Vai pra lá, porra! Se ele vir nós dois aqui, vai querer nos pegar!

Halberic Lend, Ben Sif e Bia Jonson continuavam ao lado de Adjaian, sem acreditar na decisão do jovem cavaleiro. Marbal estava calado, mas parecia ser o único disposto a ficar. O jovem vilando pensou em como poderia se posicionar melhor para se defender, mas logo percebeu que dava no mesmo. Malboro já era bem mais que uma silhueta agora. Gigantesco. Impressionante. Aterrorizante.

Ben Sif carregava uma caixinha de chumbo com a Aurora da Morte, mas nem assim estava confiante. O poder da energia infernal desintegrava tudo que era vivo, num raio de 50 a 100 metros. Seria o suficiente para arrasar um castelo, um navio ou mesmo um povoado, mas atacar um ágil dragão de fogo era risco demais. A fera teria de ser encurralada para o plano funcionar, o que não era possível naquele momento. A carga que ele levava era apenas uma fração daquela que tinha sido utilizada para arrasar Darklands, Hogan e Yaztrik.

– Se fode aí, galera. Eu teria dado o soldado como sacrifício e ajoelharia de boa para o Malboro… – Diz Sif, antes de meter o pé.

Apavorado com a imagem nítida do dragão voando no céu, o discípulo de Vitiferralis usa suas habilidades sensoriais para encontrar um esconderijo parecido com o de Madox.

Lançando um último olhar de compaixão para Adjaian, Bia começa a cavalgar para o norte, desesperada. Halberic Lend resolve acompanhá-la, mas antes pergunta:

– Querem ficar com alguma bruma?

– Funciona contra dragão? – Pergunta Adjaian.

– A de sono certamente não… Nem gigantes caem com ela. Talvez a de fuga possa lhe ajudar. – Responde Lend.

– Quero essa porra não. Posso ser morto, mas não estou cagado. Melhor do que ser um traíra vivo. Eu teria vergonha. – Responde o jovem cavaleiro.

Lend lamenta, e também foge a cavalo. Agora Marbal e Adjaian estavam sozinhos.

[Continua: 50. A Ira de Malboro]

Deixe uma resposta