48. A Caravana de Klinwater
O bando de mandígoras já estava bem próximo, mas o grupo ainda não podia percebê-los. Madox tinha sido o primeiro a sentir a presença dos predadores, pelo cheiro, e Bia já sabia que eles estavam com fome. Aquelas montanhas do Fiorde não ofereciam muitas oportunidades, e um grupo de nove humanos certamente poderia fornecer alimento para todo o bando.
– É porrada. – Diz Madox.
– Alguém pode fazer alguma magia para espantar esses bichos? – Sugere Adjaian.
– Posso usar as brumas do sono. – Responde Lend.
– Então joga. – Responde Adjaian.
– Calma, Djavan. Tem bastante pra depois, Lend? – Questiona Madox, justiçando: – A pica da missão é mais pra frente.
– O bastante. – Responde o chefe da Bruma, já arremessando ao redor várias daquelas esferas de vidro com um líquido que, ao contato com o ar, produzia um gás sonífero.
Os mandígoras atacam, e alguns deles caem no chão desmaiados pelo poder da bruma. Ainda assim, eram muito ágeis, e oito animais avançam sobre o grupo. Pelo menos agora estavam em maioria, o que permite que os dois magos lutem juntos, para se proteger.
Logo no primeiro ataque, Bia, Luna, Madox e Kreuber levam lanhadas profundas causadas pelas garras dos bichos.
– Os bichos tão mesmo com fome! Tomanocu! – Grita Adjaian.
O caçador também acerta uma porrada firme no bicho, que o faz recuar. Kreuber e Luna, no entanto, são novamente feridos. Lutando praticamente sozinho, pois Ben Sif era uma nulidade usando a lança, Lend consegue derrubar um dos animais com uma pancada precisa na cabeça. Com raiva, Adjaian decepa a cabeça de um mandígora com seu montante.
– Vai tomar no cu, porra! – Grita o jovem vilando.
Manche também se sai bem, nocauteando um dos bichos com um golpe. Parecendo fracos de fome, os mandígoras começam a sofrer para continuar lutando. Madox consegue derrubar um deles, assim como Lend, e Ben Sif mata o bicho caído com uma estocada firme no tórax. Adjaian parte para ajudar Luna, e eles conseguem ferir o animal que estava atacando a vilanda. Chegando de surpresa, Manche tira de combate a fera que lutava com Marbal, e Lend cerca o mandígora que atacava Kreuber.
– Dá vontade de não matar e deixar essas porras amarradas pros macacos! – Exclama Adjaian.
– Agora que tu percebeu isso, porra? – Responde Kreuber.
Manche, Marbal e Madox cercam e matam outro bicho, e Kreuber finalmente consegue decepar a cabeça do mandígora que o atacava, com a ajuda de Lend. Acuado, o animal que atacava Bia consegue feri-la mais uma vez e derrubar Ben Sif, que estava tentando ajudá-la. Percebendo que o resto do bando tinha sido liquidado, o ultimo mandígora foge dali de volta para as montanhas, escalando as pedras o mais rápido possível. Um a um, Madox enterra sua espada no peito dos bichos desacordados ou nocauteados, por precaução.
– E aí, seguimos? – Pergunta Kreuber?
– Vou direto para o penhasco. – Diz Madox.
– Porra! Não acredito que vai começar tudo de novo! – Exclama Lend, temendo o pior.
Para alívio do chefe da Bruma, a discussão é interrompida quando o grupo avista uma caravana seguindo por uma trilha a oeste do planalto. Há pelo menos uma dúzia de cavalos e carroças na direção da Planície dos Ventos.
– Vamos lá ver! – Sugere Kreuber.
– Pela rota que estão tomando, se descermos pelo sul, poderemos interceptá-los em cerca de uma hora. – Diz Madox, finalmente concordando em tentar arrumar cavalos: – Agora não precisamos catar agulha em palheiro. Os cavalos estão aí pra gente saquear.
– Umas duas carroças dessas basta pra gente salvar geral. – Avalia Kreuber.
O grupo começa a descer o planalto pelo sul, e algum tempo depois já consegue fazer contato visual com a caravana. Pelas bandeiras hasteadas, são oriundos de Klinwater, um pequeno reino situado no alto da cordilheira de mesmo nome, a oeste. Há pelo menos vinte soldados na escolta, mais alguns nobres, criados e servos.
– Vamos usar diplomacia, galera. Pedir duas carroças pra terminar a missão. – sugere Kreuber.
– Foi o que pensei. – Responde Madox.
– Isso, vamos desenrolar com eles. – Concorda Adjaian.
Parado ao lado da trilha, Kreuber amarra um pano branco na ponta da espada e acena para as pessoas da caravana, que interrompe a marcha. Um dos nobres toma a frente e se apresenta, montado em um cavalo, arriscando um dialeto velga sofrível:
– Pardono, senores. Mi soi Andaluzo, sobrino del Rei Angustus, di Klinwater.
O sujeito parece muito preocupado, e também leva uma bandeira branca hasteada. Após alguns minutos de conversa, ele consegue explicar que estão fugindo, e pedirão refúgio no Reino de Aquitan. O motivo: Malboro atacou Klinwater e fez contato com os xamãs do reino. O dragão está exigindo todos os dias uma donzela virgem e um jovem primogênito como sacrifício. Do contrário, espalhará a destruição. Manche então explica a missão que estão cumprindo, para salvar o herdeiro de Van Hal. O Marquês Andaluzo concorda em ceder uma carroça, mas pede algo em troca: que alguém do grupo vá com eles, para ajudar na negociação de exílio quando chegarem em Flamme.
– Garantias? Se não resolvermos essa bronca pode ser que em breve não exista mais nenhum lugar para se esconder… – Reage Madox.
O Marquês então oferece um de seus soldados para seguir com o grupo.
– Então… Quem vai com o cara? – Pergunta Madox.
– Um dos buchas, claro. – Responde Manche.
Luna logo se oferece para ir com a caravana. Aquela primeira missão já tinha sido demais para ela. Talvez não fosse mesmo sua vocação. A jovem vilanda queria muito salvar Hanna, mas sentia que agora estava mais atrapalhando do que ajudando.
– Mas, considerando a gravidade da missão, queremos o seu melhor soldado. – Diz Madox.
O Marquês indica um ileano chamado Santino, que não fica nem um pouco feliz quando recebe a notícia. Era apenas um pouco mais velho do que Luna, e claramente estava meio apavorado, como todos na caravana, aliás.
– Puta que o pariu… Esse santinho aí vai morrer, e depois vai dar problema pra explicar. – Sussurra Kreuber, preocupado.
– Também acho. – Responde Adjaian, falando baixo para não ser ouvido.
– Ele é soldado. Morrer faz parte do trabalho. – Responde Madox, murmurando.
– Deixa esse merda com eles, cara. – Sugere Kreuber.
– Porra nenhuma. Não podemos reduzir nosso estoque de buchas… – Continua o caçador, recebendo a aprovação de Manche.
– Bucha é meu ovo. Hahahaha! – Reage Adjaian, começando a rir.
– Pelas carroças, tá bom o acordo. – Aceita Kreuber.
– Tá fechado. Santino vai pilotar a carroça. – Define Manche. Voltando-se para o jovem soldado de Klinwater, o chefe da guarda pessoal de Van Hal dá a ordem:
– Tá compreendido? Tu fica aí e não sai daí.
Madox começa a rir, e Adjaian provoca:
– Depois eu que sou o baba ovo do Manche…
– Hagalaz quer que ele vá conosco. – Diz Kreuber, referindo-se ao deus do Destino.
– É assim que é, Pé! – Exclama Adjaian.
A caravana do Marquês então retoma sua rota para Flamme, e o grupo começa a subir novamente a trilha para o alto do planalto, levando a carroça, e alguns cavalos. Durante o trajeto, todos percebem que Santino não para de olhar para o alto, como se esperasse o pior. Dito e feito. Alguns minutos depois, o jovem soldado começa a gritar e apontar para o céu.
– Para de gritar, porra! Tá maluco? – Se irrita Adjaian.
Madox dá um tapa forte em Santino, para que ele parasse com aquela histeria. Mas logo todos perceberiam que a coisa era séria. O soldado tinha visto Malboro de longe, voando rápido naquela direção.
– Hahahaha! Vai morrer tudo! – Exclama Adjaian, incrédulo, aproveitando para provocar Manche:
– E o cagão do Manche vai ser o primeiro.