81. O Templo da Perdição
Na entrada do Templo, na areia da praia, havia um sujeito comprando cavalos por uma moeda de ouro. O homem, de raça Ileana, falava um velga rudimentar:
– No bom deixa cavalo… No bom… Gente ruim acá.
Kingsaiz logo percebe a armadilha. O mesmo grupo que comprava os cavalos, cerca de vinte homens armados, estava vendendo os animais por duas moedas, na saída. Com certeza faziam parte da máfia de piratas ileanos que tinha reerguido o Templo da Perdição.
– Tu é ladrão? – Questiona Kingsaiz.
– No, no… – Responde o ileano: – Otos son malvados acá.
– Tu vai gostar da pura, hein? – Diz Kingsaiz, balançando um saquinho de poeira cristal.
O sujeito apenas ri, com sua boca cheia de dentes podres, mostrando ao vilando um saco cheio de doses do estimulante.
– Vou te vender o cavalo. Mas quero comprar ele de volta quando retornar. Feito? – Propõe Kingsaiz.
O sujeito paga a moeda ao vilando e acena positivamente, fechando o acordo.
– Se eu voltar e meu cavalo não tiver aqui vai dar merda, hein? – Ameaça o vilando.
O pirata nesse momento nem estava mais ouvindo, pois já estava negociando a compra dos cavalos do resto do grupo.
Subindo as escadarias do Templo, o grupo sente o clima de perversão no local. Assim que entram no amplo salão interior, percebem que há vários ambientes com grande circulação de pessoas. Soldados, mercenários, camponeses, artistas, comerciantes, bêbados e prostitutas, muitas prostitutas, se espalham pelos salões. De todas as raças e origens.
No centro do salão, havia um único local com guardas, vestidos com uma roupa toda preta e um turbante que cobria metade do rosto: um bar imenso, que também regulava o acesso às escadarias para as galerias inferiores. Para descer, era preciso pagar. O bar também servia como caixa central para compra de bebidas e drogas, cujo consumo era absurdo por ali. Mediante o pagamento de apenas uma moeda de ouro, o visitante estava liberado para consumir o que pudesse. Receita certa para o caos e a confusão.
No salão principal, o sexo grupal e as brigas eram frequentes, sem que os guardas se intrometessem. O local estava muito, mas muito cheio. Reinava por ali a lei do cada um por si. Os mais de cinquenta homens armados só eram chamados quando alguém tentava roubar o bar ou acessar os níveis inferiores, onde ficavam as prostitutas de luxo, sem pagar.
Também havia várias mesas de jogo, com muitas apostas. As muitas prostitutas do salão principal eram do mesmo nível das demais tabernas de Asgaehart, e cobravam preços que oscilavam de uma moeda de ouro a duas, três moedas de prata. As piores ofereciam sexo oral por apenas um gole de cerveja ou rum, para quem tivesse pagado a taxa do bar.
– Não vou beber. – Declarou Kingsaiz, quando pagou uma moeda de ouro no bar e pegou uma caneca de cerveja. Estava interessado unicamente no sexo oral gratuito.
No canto noroeste, havia um salão do pó. Era de lá que se ouvia os tambores altos de uma música paranoica, com pessoas participando do desafio de golpear a ponta de uma faca entre os dedos, de forma rápida. No canto nordeste, o salão do fumo, onde tocavam harpas e os convidados jogavam um jogo de cartas marcadas, de concentração e memória. O canto sudeste era reservado à galera da taberna, onde várias pessoas alcoolizadas falavam alto e gargalhavam, apostando em um desafio de tapas na cara. Finalmente, o canto sudoeste estava reservado a um pessoal sinistro: todo mundo calado, sentado em volta de uma pira com um óleo azulado. De vez em quando, alguém fritava as pernas de um Grilo de Horanj, um inseto alucinógeno, e colocava embaixo da língua, olhando fixamente para as fumaças coloridas que eram produzidas pela caldeira, como se estivessem hipnotizados.
Owen Petersen e Ulek Van Vossen também pagaram a taxa do bar. O necromante foi até o salão do fumo e ficou observando o jogo, tentando entender qual era o esquema para arrancar ouro dos otários. Mas eram mesas simples de Ronda Gaulesa, uma jogatina comum na Terra Végica e no Velho Ocidente, que dependia apenas de sorte, atenção e concentração. Quem ganhasse cada rodada levava todas as moedas da mesa. Quando notou que o jogo era honesto, e as apostas baixas, Ulek logo perdeu o interesse no salão.
No salão da taberna, as brigas eram frequentes. Mas nada comparado ao salão do pó, de onde quatro pessoas esfaqueadas já tinham saído, algumas caindo mortas no meio do salão, de onde eram jogadas para a areia da praia pelos próprios visitantes. Os guardas realmente não se importavam com o que acontecia ali. Ulek então voltou ao balcão do bar e perguntou:
– Quanto custa pra descer pras galerias de baixo?
Um dos atendentes responde, falando um velga perfeito:
– Depende da escada que você escolher. Mas tem que deixar todas as armas aqui e descer pelado, apenas com um manto da Jubo Ket.
Ulek começa a rir. Deixar as armas? Fora de questão. O necromante resmunga:
– Tomar no cu… Mas quanto custa pra descer?
– São desafios diferentes para homens diferentes. – Responde o atendente, complementando: – Pra descer a escada da luz azul, são vinte moedas de ouro. Ali é pra nobreza. Pra descer a escada da luz verde, dez moedas. Muitos guerreiros topam o desafio. A escada de luz amarela custa só cinco moedas… Mas aí o sujeito tem que ser macho pra encarar. E a escada da luz vermelha custa só uma moeda. Você pode imaginar o que te espera. São muito poucos os que se atrevem a descer ali.
– Mas o que tem de diferente em cada galeria? – Pergunta Ulek.
– Tem que pagar pra ver. – Responde o sujeito, com um sorriso: – Quem passa pode escolher entre quatro salões com prostitutas de luxo: num deles, há a alcova das ninfas de Australi, viciadas em um chá erótico que as tornam escravas sexuais; no outro, o ginásio das amazonas alamanas, bárbaras gigantescas, de porte atlético, treinadas para orgia e sexo selvagem; no terceiro salão você tem a sauna das massagistas vulkânicas, especialistas em prazer e relaxamento. E no último se encontra o palco das dançarinas vrúngias, deliciosas reboladeiras vestidas em minúsculos trajes. Mas pra chegar lá têm que pagar e superar o desafio.
– Caralho. Vai ter galeria de traveco nessa porra. Vou arriscar não. – Rebate o filho de Erik: – Jubo Ket não é lugar para amadores.
– Pau no cu do surdo. – Responde Kingsaiz, que ouvia a conversa atentamente.
– Quem tem cu não faz trato com pica… Porque vai se fuder na Jubo Ket. – Diz Ulek.
– Quero chegar na quarta galeria! – Grita Lager, quase sóbrio, enquanto se aproveitava de uma prostituta para quem tinha dado uma moeda de ouro. O necromante de Joy Divile não tinha pagado a taxa do bar e se recusava a beber as bedidas do Templo da Perdição.
Enquanto conversavam, mais uma pessoa tinha sido executada no salão do pó. Descobriram que o sujeito estava sozinho e rapinaram seus pertences. Quando arremessaram o corpo no salão principal, com o ventre aberto, sofrendo convulsões horríveis, Arley, Lager e Kingsaiz logo perceberam que se tratava do pobre Juzep Malakias.
– Caralho. Que ambiente aprazível. – Ironizou Ulek.
– Vou descer a escadaria da luz azul. – Disse Lager.
– Tu não tem esse dinheiro, porra. São vinte moedas. – Avisou Kingsaiz.
Até ali, Kingsaiz parecia satisfeito dando goles de cerveja para as prostitutas do primeiro salão e recebendo felações, mas Arley Vanila, que tinha economizado suas moedas, decidiu pagar quase metade de todo o ouro que tinha para descer a escadaria da luz amarela. Lager se preocupa:
– Acho que entendi essa porra… Você paga e vai descendo. Uma hora acaba o ouro e você fica na merda. Vai ter que matar e roubar, e se nego te pegar tu tá fodido.
Como já tinha pagado, Arley argumenta:
– Espera só eu descer pra ver qual é.
– Porra, Vanila! – Diz Kingsaiz, dando um leve tapa na cabeça do companheiro.
– É muita euforia… Foi mal, King! – Responde o tigunar.
– Galera, vamos meter o pé. Melhor voltar outro dia com um bonde forte e regado de moedas. – Insiste Lager: – Me escutem. Se descer nao volta mais, filho. Não tem passagem de volta.
– Se eu não voltar em uma hora vocês podem ir embora. – Propõe Vanila, rindo dos amigos.
Arley então tira a roupa, entrega seus pertences no bar, veste o manto da Jubo Ket e desce a escada iluminada de amarelo, dançando ao ritmo da música no local. Quando o tigunar desce a escada, chega a uma sala com quatro prostitutas horríveis, desdentadas, com a pele descamando, perebentas, fedidas demais. Uma delas explica que, para passar dali para a galeria seguinte, Arley teria de satisfazê-las primeiro. Mas, se quisesse, poderia retornar ao salão principal e perder as moedas que pagou.
O tigunar nem pensa duas vezes, e faz o serviço completo. Ao final do esforço, ele sente como se o corpo estivesse tentando resistir a diversas doenças, mas estava feliz com o próprio desempenho. No fundo da sala, dois guardas encapuzados abrem uma porta que conduz finalmente à segunda galeria, onde Arley poderia escolher um dos quatro salões.
– Eu quero o ginásio! – Exclama Arley, excitado só de ver aquelas maravilhosas alamanas nuas, atléticas, à sua esquerda. Com certeza valiam todo aquele esforço!
Vanila passa a próxima hora se acabando com mais de dez amazonas alamanas, que realmente eram especialistas em orgia e sexo selvagem. Naquele momento, o tigunar sentia-se como o homem mais feliz do mundo. Elas avisam Arley que ele poderia ficar ali o tempo que quisesse, desde que não dormisse de cansado. Se apagasse, seria levado de volta ao salão principal. Sem perder mais tempo, Vanila esgota todas as suas forças ali.
Quando já estava mais do que satisfeito, ele observa que a segunda galeria dava acesso a uma outra escadaria para baixo, ao fundo, guardada por mais dois encapuzados.
– O que é aquilo? – Pergunta Arley?
– É a passagem para o terceiro nível. – Responde uma das alamanas, interrompendo uma felação : – Tem que pagar 1 kabutz pra descer, e enfrentar outra prova sexual.
– Mas o que há na terceira galeria?
– Virgens de Hoguz. Sacerdotisas virgens capacitadas para a satisfação sexual dos homens. – Elas conhecem as massagens vulkânicas, as danças vrúngias, a ginástica alamana e são viciadas no chá de Australi, fazendo tudo que seus mestres mandarem.
– Mas, como assim virgens?! – Surpreende-se o tigunar.
– Sim, são virgens. Treinaram tudo isso entre elas mesmas.
Arley Vanila arregala os olhos. Cinquenta moedas de ouro era muita coisa. Ele ainda caminha, nu, na direção dos guardas, que cruzam adagas num gesto, indicando que a passagem ali ainda precisava ser paga.
– Calma, homens. Tô só olhando. – Avisa Vanila.
De volta ao colo das prostitutas alamanas, dessa vez já tendo que dividi-las com dois clientes que tinham acabado de descer, Arley trata de aproveitar suas últimas forças dando um trato firme nas meninas. Puxando assunto com um deles, que falava seu idioma, Vanila comenta:
– Aí fera, conhece lá em baixo?
– Nem consigo imaginar, cara. Deve ser algo de outro mundo. Mas não tenho como pagar… De repente vou tentar levantar umas moedas naquele desafio das facas.
O outro sujeito não dava qualquer atenção às tentativas de diálogo, marretando as prostitutas sem parar.
– Dizem que a Jubo Ket sempre guarda uma nova surpresa… – Diz uma outra amazona, já cavalgando sobre o tigunar.
Dali em diante, somente a nobreza mais alta poderia desfrutar os prazeres do Templo da Perdição.
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