62. O Despertar de Zama

Vitiferralis, mestre elemental, discípulo de Imperatrix.

[Antes: 61. Atravessando a Cratera]

No confronto com os escorpiões da cratera, Kreuber finalmente conseguia levar alguma vantagem, turbinado pela poeira cristal, e acerta duas boas porradas seguidas no bicho que tentava lhe picar com o ferrão. Mas o inseto gigante que tinha matado Lend se desloca para atacá-lo. Enquanto isso, Vandame tinha muitas dificuldades, cercado por duas criaturas, e acaba levando uma aguilhada que o derruba ao chão. O vrúngio sente o veneno entrando em sua circulação, mas talvez porque já estivesse acostumado a ingerir muitos tipos de tóxicos, logo percebe que o efeito não seria letal. Mesmo caído, ele consegue se defender dos ataques e se levanta para continuar a lutar.

Vandu também consegue acertar um golpe num dos escorpiões, mas Bia Jonson, fazendo muito esforço para se mover, começava a sentir-se mal. Jon Tudur continuava lutando ferozmente contra um deles, e se não estava vencendo, também conseguia se manter longe do ferrão. Já completamente tomado pela onda agressiva da poeira cristal, Kreuber consegue rasgar os dois bichos que enfrentava com apenas um golpe da espada escarlate. Mordendo a orelha, o cavaleiro de Terras Altas parte ensandecido para ajudar Vandam, mas acaba levando uma potente ferroada que o deixa paralisado.

Ainda que mal sucedida, a intervenção de Kreuber tinha servido pelo menos para que Vandam pudesse engatilhar uma flecha no arco. Com um tiro perfeito, o vrúngio mata o aracnídeo que tinha acertado o vulkânico, mas acaba recebendo uma nova ferroada do outro inseto gigante. Enquanto isso, Vandu já levava ampla vantagem em sua luta, mas Bia toma outra aguilhada e cai no chão, semi paralisada. Tudur também leva uma picada no braço, e reúne todas as suas forças para continuar lutando. Parecendo acostumado com o veneno, Vandam consegue derrubar o escorpião para longe, e usa novamente uma flecha para matá-lo.

Enquanto o vrúngio já preparava o arco para ajudar algum dos companheiros, Bia recebe uma ferroada fatal no abdômen.

– Porra! Tá foda! – Grita Vandu, impressionado com a morte de Bia.

– Fedeu! Sem a Bia, perdemos o contato com os animais. – Exclama Tudur.

Ainda restavam três aracnídeos, e apenas o gigante tigunar, Tudur e Vandam em condições de combate. O Arauto de Hevelgar finalmente consegue acertar um bom golpe e finaliza o inseto com uma estocada da espada, que faz esguichar em seu rosto uma linfa viscosa das entranhas da criatura. Sem descanso, Tudur avança para encarar o bicho que tinha matado a sacerdotisa. Vandam usa outra flecha para matar de longe o escorpião que lutava com Vandu, mas quase acerta o tigunar, que olha assustado para a seta perto de seu rosto.

Vandam arma o arco novamente e grita para Tudur:

– Deixa que vou mandar outra flecha nele, Jon!

– Não! Atira apenas se ele me derrubar! –  Exclama o arauto, temeroso.

– Porra, Jon! Aí é contigo. – Diz Vandam.

Vandam pede a Vandu que não entre no raio de ação, pois continuava mirando o bicho enquanto este tentava acertar Tudur. Impaciente, o vrúngio pede mais uma vez:

– Posso atirar?! Puxa o escudo, Jon!

Vandam nem espera a resposta, e Jon só tem tempo de colocar o escudo à frente do corpo.

– Foda-se. – Diz o monge bêbado, largando a flecha.

Para sorte do arauto, o tiro é muito preciso, passando raspando pelo Cavaleiro de Hevelgar e acertando em cheio o corpo do escorpião, que solta um guincho horrível antes de se estrebuchar no chão.

– Tá nervoso, Tudur? – Pergunta Vandam, irônico.

– Agora não. – Responde Jon, aliviado.

Kreuber acorda e se dá conta de que tinham perdido exatamente dois companheiros naquela situação. O casal proibido de Flamme, que tinha acabado de se reconciliar, iria ser enterrado junto naquela terra desértica.

– Bia é uma perda considerável. – Diz Tudur, continuando a lamentar o resultado da luta: – Já somos a metade do grupo que partiu de Van Hal.

Junto ao cadáver de Lend estava a caixinha com a Aurora da Morte. Os quatro sobreviventes se entreolham para decidir quem seria o portador daquela arma mortífera a partir dali, mas Vandam se adianta:

– Tenho planos pra usar essa coisa. Vamos ter um final explosivo!

Após mais algum tempo de caminhada num calor infernal, Vandu, Vandame, Tudur e Kreuber chegam até um enorme portal de pedra, com uma estranha inscrição em caracteres que jamais tinham visto antes. Estavam exatamente no meio da cratera, literalmente no olho do vulcão. O gigante tigunar já sentia a visão embaçada, tonturas e calafrios com o clima, mas não podia pensar em parar naquele momento.

– O que será que está escrito no portal? – Questiona Vandam.

– Proibida a entrada, em vulkânico antigo. – Responde Kreuber, fazendo troça.

O vrúngio começa a rir. A pilha era óbvia. Kreuber era vulkânico, mas ao contrário de Jon Hagen, não sabia o dialeto da ilha, e muito menos traduzir aqueles caracteres. Se algum mago ainda estivesse no grupo, poderiam tentar decifrar a inscrição. Também ajudaria muito se não tivessem enterrado o cadáver de Bia junto com as runas.

– Somente funcionários autorizados. – Continua Kreuber, irônico.

– Pode ser também algo do tipo: “Entre sem bater. Assinado: Vito”. – Responde Tudur, entrando no clima de brincadeira.

– Ou então: “Silêncio. Zama dormindo”. – Insiste Kreuber.

Seja qual fosse o significado da inscrição, Vandu lembrava de que era o mesmo sinal do manuscrito encontrado por Jules Flanagan, e que tinha sido entregue aos magos do Império.

– Vamos fazer um fogo. – Sugere Kreuber, já produzindo uma tocha.

– Peraê… Cadê o Vito? Já era para ele ter acordado Zama… – Questiona Tudur.

– Vou no fim da fila. Se der merda pesada eu abro essa porra aqui mesmo. – Diz Vandam.

– Você tem que usar a tua cornucópia, cara. Não pode ficar com a Aurora. – Argumenta Kreuber.

– Alguém sabe usar o berrante? Não. Então tá tudo na minha consigna. Vou dar nada pra ninguém. Quem liberar a energia infernal tem que usar a cornucópia, pra ter chance de chegar o mais perto possível de Zama.  – Responde o vrúngio.

– Isso não é obrigatório, é burrice. Se acontecer alguma merda contigo, ficamos sem nada. Você tem que nos proteger com a cornucópia pra lutarmos contra o Vito. – Insiste Kreuber, concluindo o raciocínio: – Se explodirem tua cabeça, quem tiver com a caixinha arrasa com tudo. Pelo menos completamos a missão.

– Mas essa é a ideia. Se eu sentir que vai dar alguma merda eu saio correndo soprando essa porra e tento chegar o mais perto possível pra mandar tudo pro caralho! Tenho que ficar com as duas armas! – Rebate Vandam.

– Se tua cabeça explodir tu não vai sentir nada, Vandam. – Replica Kreuber.

– Toma a cornucópia então. A caixinha vai comigo na mão, dedo engatilhado. – Treplica o vrúngio.

– Eu levaria se soubesse como usá-la. – Diz Kreuber.

– Então vai tudo na minha consigna. Assim quis Hagalaz e assim será. Quem vai explodir essa porra sou eu. – Decreta Vandam.

– Não. Assim será porque você quer. Mas tomara que não morra. – Desiste Kreuber.

– Vou andando. – Diz Vandu, concordando com o vrúngio e já adentrando a galeria escura.

Ma assim que começam a descer o largo corredor de pedra, os quatro escutam um grande estrondo, como se um animal enorme estivesse se movimentando nas profundezas do local. Logo depois, um zumbido agudo insuportável, que provoca uma enorme pressão no cérebro de todos que estavam ali.

Vandam toca imediatamente a sua Cornucópia Safira, conseguindo produzir um som que protege os ouvidos de quase todos os companheiros, com exceção de Vandu, que tinha partido na frente.

– Já era! – Grita Kreuber, sem conseguir escutar as próprias palavras, que saem surdas de sua boca.

Tudur, o vulkânico e o vrúngio ainda conseguem ver quando o gigante tigunar dá uma última olhada para os amigos, antes de ter a cabeça explodida em mil pedaços, espalhando os miolos do negão por toda a parte.

Alucinado, Vandam desce correndo tocando a cornucópia, com o dedo frouxo e a caixinha nas mãos. Um clarão infernal, seguido por um bafo extremamente quente surge do fundo da galeria, assustando a todos. Numa fração de segundos, a enorme bola de fogo produzida por Zama arrasa Vandam, que pelo menos tem tempo para liberar antes a energia infernal.

Tudur aciona o poder do escudo de Hevelgar para proteger ele e Kreuber do ataque de Zama, e o cavaleiro das Terras Altas arrebenta o colar que tinha recebido dos sacerdotes, o que faz a Aurora da Morte se projetar exclusivamente para o fundo da galeria, seguido por um desmoronamento que fecha toda a passagem à frente deles.

No outro lado dos destroços, a energia infernal desintegra o cadáver de Vandu, mas também Zama, a fêmea dos dragões, que já se preparava para ganhar o ar livre.

A missão finalmente tinha sido cumprida, com mais duas mortes.

Aproveitando aquele verdadeiro milagre, Jon Tudur e Kreuber Dikson correm para fora da galeria.

– E Vito?! Aquele filho da puta também deve ter escapado! – Exclama Kreuber, sem perder tempo: – Vamos voltar rápido e pegar as harpias!

– Bora! – Concorda Jon, sem parar de correr.

– Se ficarmos aqui, daqui a pouco vão aparecer dezoito aranhas aladas do tamanho de um elefante, e que soltam fogo! – Pragueja o cavaleiro de Terras Altas.

Protegidos do calor pelas armaduras sagradas, os dois chegam à borda da cratera no fim da tarde, completamente exaustos. Tinham corrido aquela milha num fôlego só. Infelizmente, no entanto, as harpias não estavam mais lá.

– Pra variar… – Lamenta Kreuber, ofegante.

Devido ao elo mental com sua montaria, Tudur percebe que o Raven Cinzento já estava a caminho para resgatá-lo. E Kreuber sente a mesma coisa em relação ao Escarlate. Os dois se entreolham e tem a mesma ideia ao mesmo tempo:

– Vamos fazer como fizemos na ida!

O Arauto de Hevelgar manda que seu Raven avance primeiro, de forma a atrair a guarda alada dos vulkânicos. Mais veloz, a águia gigantesca conduz os nativos para longe, enquanto o Raven Escarlate pode invadir o espaço aéreo da ilha um pouco depois, com tranquilidade, para resgatá-los.

Algumas horas depois, já na Terra Velgica, Jon Tudur e Kreuber Dikson são recebidos como verdadeiros heróis em Van Hal. A missão tinha conseguido eliminar a ameaça do início de uma Era dos Dragões. Para o Arauto de Hevelgar, aquela sensação já estava se tornando comum, mas agora ele sabia que aquela glória não duraria pra sempre.

O cavaleiro das Terras Altas, no entanto, resolve não ficar para as celebrações e partir com o Raven para o Templo Escarlate, na Gerânia, onde receberia treinamento com o Grão-Mestre da Ordem, para se tornar um deles.

– Depois eu volto pra receber meus prêmios. – Diz Kreuber, voltando-se para Tudur: – Guarda aí minhas coisas pra mim.

O Arauto de Hevelgar gargalha. Depois de tudo que tinha acontecido, finalmente podia sorrir tranquilo. Mas, em algum lugar da Ilha de Vulkan, Vitiferralis já fazia planos para que aquele riso fosse o último de seus novos inimigos.

[Continua: 62. O Despertar de Zama]

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