98. Em Busca do Caolho

Stut Bier, tigunar da Hokhe de Joy Divile.

[97. Os Mendigos da Muralha]

Em Luke, Stut, Arley, Suva, Eril, Merlin e Haia percebem como a moral dos velgas está elevada. A cidadela, que não tinha um exército regular há 27 anos, quando foi massacrada pelos bárbaros, agora era uma sede importante para a Dokhe e a Hokhe. Cerca de dois mil cavaleiros protegiam o lugar no momento, recém promovida a condado.

– Vamos pegar um barco. –  Sugeriu Eril

– Mar não. – Recusou Suva.

No cais, Merlin já tinha avaliado as possibilidades. Havia uma caravela do exército de Luke se dirigindo a Citroya numa missão diplomática, e também um velho barqueiro gaulês retornando para Gaules, que podiam deixá-los no litoral de Galen. O sujeito, de nome Julius, parecia embriagado, e tinha um braço que pendia inerte do ombro. As irmãs Van Vossen já tinham ouvido histórias sobre ele.

A outra opção era seguir por terra pelas colinas da Alta Gaules, tentando desviar dos postos e patrulhas alamanas pelo caminho.

– Caravela de missão diplomática ou um velho aleijado e bêbado? Lógico que vamos com o velho. – Ironizou Eril.

– Por mim vamos com o velho também. – Disse Haia: – Vamos esperar o Ferro?

Enquanto isso, o líder e Eris seguiam mais atrás, calmamente, pela trilha da Muralha. De vez em quando, paravam em alguma entrada de galeria, para um descanso e sexo casual. De longe, ele pede que a ruiva informe à irmã sua resposta ao Cavaleiro Dokhe:

– Fala pra eles se adiantarem.

No cais de Luke, Suva não tirava o olho de Eril:

– Vou comer essa morena.

– Só se tiver um amigo junto. Não vem de mixaria, Suva. – Ironizou a filha de Erik: – Se ficar de graça vou dar até pro barqueiro velhote e não vou dar pra você.

Suva procura Haia para avançar com ele, mas o vulkânico já estava em uma taberna. Stut Bier se anima e os dois tigunares se servem da gaulesa ali mesmo em um canto do cais. Pouco tempo depois, à noite, todos já tinham deixado seus cavalos nos estábulos da Hokhe em Luke e estavam no barco de Julius.

Os anos não tinham reduzido o estilo agressivo de pilotagem do velho bêbado gaulês, que faz miséria pilotando o velho catamarã, literalmente voando sobre as águas. Eril se desequilibra em um solavanco e Haia tenta ajudar, mas acaba caindo metade do corpo para a água. Todos ali sabiam que Julius não pararia aquela embarcação por motivo algum. Suva ajuda os dois a voltarem para o barco a salvo.

O velho gaulês segue conduzindo o catamarã de forma arrojada, até que avistam um galeão alamano dobrando o cabo de Galen. Como não havia como contorná-lo por fora, Julius aumenta a velocidade na direção da imensa embarcação.

– Velho maluco da porra! – Gritou Haia: – Segura aí, galera!

A ideia de Julius estava clara: iria cruzar por dentro do cabo antes do navio passar, mesmo que isso significasse o risco do pequeno catamarã se espatifar contra o galeão. No convés inimigo, os marujos não acreditavam na manobra, e alguns deles já se preparavam para atacar o pequeno barco com flechas.

– Calculou direito, né parceiro? – Questiona Haia, apreensivo.

– Maior maluco! – Exclama Suva.

Mas o velho bêbado gaulês era realmente um ás da navegação. No momento final, o catamarã se desvia do galeão por um triz, dando uma guinada brusca quando ultrapassa o cabo, sem perder as velas. Dezenas de flechas voam sobre o pequeno barco, e duas delas atingem a cabeça de Stut e o olho de Julius, de forma fatal. Eril também leva uma flechada no braço. Merlin e Arley tentam assumir o comando do catamarã, e levam a embarcação com alguma dificuldade para longe dali, aproveitando os ventos e a corrente favorável. Usando a Poção de Virgo, o necromante cuida do ferimento da sacerdotisa, que poderia seguir adiante sem maiores problemas, apenas mancando um pouco.

Antes do amanhecer, após descartarem no mar os corpos de Stut e Julius, fazendo um minuto de silêncio, Suva, Arley, Haia, Merlin e Eril chegam ao litoral do condado de Galen, uma região rural de clima temperado. A filha de Erik recebe uma mensagem de sua irmã gêmea: Ferro estava dizendo que eles deveriam procurar um fazendeiro gaulês criador de porcos, Vince Van Lon. O espião era um sujeito caolha que trabalhava na fazenda, mas Vince não sabia de seus serviços para a Hokhe. Conheciam-no pelo nome de Henri, ou Hober.

Enquanto isso, em Luke, Ferro e Eris passaram a noite em uma estalagem, onde poderia descansar e fazer mais um pouco de sexo. A pedido do líder, também fizeram um minuto de silêncio quando souberam do triste fim de Stut Bier.

Desembarcando numa praia deserta na costa de Galen, o resto do grupo avista um casarão de fazenda no alto de uma colina. Eles caminham até lá, na expectativa de conseguir mais informações sobre Van Lon. Quando já estavam se aproximando, percebem que um pombo deixou o local, na direção da cidadela de Galen, que ficava em um penhasco a noroeste.

– Deu merda. Eles avisaram que estamos aqui. – Disse Suva, apreensivo.

Eril avisa Eris em Luke sobre o ocorrido, no momento em que a bruxa elemental tomava um café da manhã com Ferro. Quando o líder toma conhecimento da situação, se anima:

– Agora sim está na nossa hora. Vamos embora, ruiva! – Exclama Ferro: – Mas antes deixa eu fumar mais um charuto pra digerir melhor essa comida.

Quando se aproximam da casinha, Suva, Arley, Eril, Haia e Merlin são recebidos por um camponês gaulês, cabeludo e de aspecto envelhecido, que já chega de arco em punho, perguntando na língua gaulesa:

– Qui es-tu?

Parado na porta da casa, o homem tinha a companhia de mais pessoas nas janelas, provavelmente seus familiares mais novos. Todos com arcos apontados. Algumas meninas jovens espiavam pelas frestas, curiosas com a situação. O sujeito repete a pergunta, gritando impaciente:

– Qui es-tu?! Velges?! Et vous, les tigunaires?!

A gaulesa Eril, que falava fluentemente o idioma local, toma à frente da comunicação. Ela explica que estavam apenas de passagem, querendo comprar porcos. Após informar que não criava suínos, o fazendeiro pergunta o que ela estava fazendo com velgas e tigunares, que eram considerados inimigos no condado de Galen. A filha de Erik se insinua para o camponês e responde que eram todos ali seus amantes, e que não se importava com a guerra. Apenas gostaria de negociar porcos com um sujeito chamado Vince Van Lon, de quem ela tinha ouvido falar maravilhas sobre a criação. Envergonhado, o fazendeiro ruboriza com a resposta, mas é o suficiente para que ele baixe sua arma.

Jaque, o fazendeiro, diz que a fazenda do velho Van Lon ficava a umas cinco milhas seguindo o vale a nordeste, na direção de Galen. Ele explica que não gosta dos alamanos, mas estava sendo obrigado a aturá-los depois da conquista do condado. E diz que foram eles que obrigaram-no a soltar um pombo mensageiro toda vez que recebesse visita de forasteiros. Mas como não eram guerreiros, não teriam nada a temer.

O camponês convida o grupo para entrar em sua casa, mas Eril explica que não gostariam de causar mais problemas quando os soldados aparecessem ali. Talvez na volta ela pudesse lhe prestar favores… A gaulesa também pergunta se Jaque pode vender alguns cavalos, e o camponês fica satisfeito quando percebe que alguns de seus pangarés vão lhe render algumas moedas de ouro. Após abastecerem os cantis com água e renovarem o estoque de pão seco e outras provisões para a viagem, o grupo se despede do fazendeiro, que lhes deseja boa sorte, afirmando que preferia a época quando Galen tinha uma aliança com os povos velgas.

Montados nos cavalos velhos e cansados comprados de Jaque, o grupo percorre a trilha que cruzava o vale por cerca de cinco horas, seguindo a direção indicada pelo fazendeiro. No início da tarde, alcançam uma pequena planície, com uma casa de fazenda na beira de um lago. O tempo estava nublado, e dessa vez Eril decide ir até lá sozinha, enquanto o resto se escondia atrás da vegetação de arbustos que tomava as redondezas.

Enquanto isso, Ferro e Eris já percorriam as colinas entre Luke e Galen com certa tranquilidade, desviando-se dos postos de guarda alamanos, pois as atenções dos bárbaros tinham sido atraídas para o grupo de intrusos avistados no litoral.

Quando Eril se aproxima da casa grande, um gaulês de meia idade desce de uma torre coçando o saco, meio preguiçoso, e vai em direção à sacerdotisa. Impaciente, ele pergunta o que ela quer. Eril responde, fingindo fragilidade, que estava interessada em negociar porcos para o seu senhor, que estava preparando uma festa de casamento para a filha. Para tanto, ele teria indicado um sujeito caolho que trabalhava ali, na fazenda dos Van Lon.

O sujeito diz que sabia onde o caolho trabalhava, e se oferece para levar Eril até lá. No abatedouro da fazenda, logo ali do lado. Espreitando de longe, o grupo vê quando ela desce do cavalo e os dois adentram a propriedade, saindo de vista.

Mas quando Eril chega até o local, se vê rodeada por vinte soldados de tocaia, apontando os arcos para ela. Usando a língua gaulesa*, que ela dominava, o líder gritou impaciente:

– Nós sabemos de tudo, sua puta traidora! Está sozinha? Vai colaborar ou vamos ter que usar a sua cabeça decepada?*

[Continua: 99. Um Novo Plano]

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