45. Encontro Inesperado
[Antes: 44. Missão de Resgate]
Saindo de Flamme no início da tarde, no mesmo dia do ataque de Calto, Jim Jonson consegue avançar bastante com seu catamarã rumo ao norte, aproveitando os ventos favoráveis contra a corrente do Fiorde. A apenas algumas milhas de distância dali, eles nem podiam imaginar que Jules Flanagan tinha acabado de sobrevoar a Floresta de Sheristone, conduzindo com dificuldade um draco na direção de Van Hal.
A quantidade de cadáveres boiando nas águas geladas é assustadora. Logo no início da manhã, o grupo percebe uma revoada de seis dracos na direção do barco. O que aterroriza mesmo, no entanto, é a visão de um vulto enorme mais além no horizonte, voando alguns minutos atrás dos pequenos animais alados, e se aproximando incrivelmente rápido. Com certeza, tratava-se de um Dragão de Fogo: provavelmente Malboro, o temível Dragão do Oeste.
– Porrada! – Grita Adjaian, provocando mais um olhar de reprovação de Manche.
– Podemos pular na água pra tentar se esconder em alguma caverna no litoral! – Responde Bia.
– Lutar agora é furada, hein… – Diz Marbal, para a surpresa de todos. Afinal, poucas horas atrás, o gigante estava falando em caçar Malboro.
– Pular é virar cocada! – Rebate Adjaian.
– Vou ficar a bordo. Não sei nadar. – Diz Sif, apreensivo.
– Melhor a gente se esconder. Boiando aqui é que a gente vai ficar de cocada. – Insiste Marbal.
– Eu não vou pular. – Afirma Adjaian.
Manche continua impressionado com as palavras assertivas do jovem cavaleiro, mas não fala nada.
– Algum de vocês não pode soltar aquela fumaça preta pra esconder a gente, porra? – Sugere Marbal.
– Posso fazer isso tudo aqui virar noite. – Responde Lend, ressalvando: – Pode nos ajudar a fugir, mas pra lutar será uma merda.
– Eu não vou pular. – Repete o jovem vilando.
– Lend pode soltar a bruma e a gente se esconde embaixo do catamarã… – Diz Sif.
– E aí a gente espera o dragão chegar? Tá zoando? – Responde Adjaian, complementando:
– Vamos lutar com os dracos enquanto Jim leva o barco para algum abrigo.
– Sim! O negócio é ir segurando na porrada e manobrando para uma caverna… Quanto mais perto chegarmos será mais fácil para mergulhar e alcançar a bosta do refúgio! – Completa Sif, gostando da proposta.
– Isso. – Concorda Marbal.
– Então vamos seguir a ideia do moleque. – Finalmente Manche abre a boca, se referindo ao jovem vilando.
Quando os dracos se preparam para dar o primeiro rasante sobre o catamarã, Manche, Marbal, Kreuber, Madox e Adjaian se preparam para receber um animal cada. Bia e Luna se juntam para se defender de outro, enquanto os dois magos, Lend e Sif, buscam se abrigar, e Jim se concentra na navegação. Ainda tinham algum tempo antes que Malboro chegasse.
– Porrada! – Grita Marbal, já brandindo seu enorme machado.
– Fight! – Acompanha Adjaian, falando na língua dos alamanos, como costumava fazer seu irmão Angelus.
No primeiro bote, todos conseguem se defender do ataque, mas as mulheres guerreiras são mais precisas, e derrubam o bicho que voava na direção delas. O draco se arrebenta no convés do catamarã, e Luna crava sua lança no dorso do animal, que dá um último grito de dor antes de morrer. Jim consegue manobrar a embarcação com muita habilidade, enquanto os guerreiros novamente rechaçam mais um ataque.
– Já temos janta! – Faz piada Adjaian, para desgosto do líder da missão. Percebendo a expressão contrariada de Manche, o jovem vilando se aproxima dele, e diz:
– Bucha é meu ovo.
– Bucha! Hahahaha! – Gargalha Marbal, enquanto Jim conduz o catamarã por uma passagem estreita na pedra, fazendo com que os dracos desistam de mais um ataque.
A caverna está na penumbra, parcamente iluminada pelos reflexos de luz na água. É uma área interna abrigada, às margens das pedras no litoral. Mais para dentro, o grupo escuta alguns ruídos, que parecem risadas. Marbal é o primeiro a desembarca numa margem de pedra.
– Quem tá rindo agora vai chorar depois. – Diz o gigante.
– Algum de vocês faz uma luz, por favor. – Pede Kreuber, saltando do barco.
– Vamos sair do barco logo. Malboro logo chegará aqui. – Diz Lend para os demais.
Marbal acende uma tocha, e começa a investigar o interior da caverna, com cautela. Kreuber faz o mesmo. Todos desembarcam, exceto Bia e Jim, que pede à irmã:
– Vá com eles, Bia. Ficarei no catamarã e aguardarei o dragão passar.
– Boa ideia. – Diz Adjaian.
A sacerdotisa acata a sugestão do irmão, com preocupação, mas insiste:
– Venha conosco, Jim! Não é seguro ficar aí!
– Melhor descer, cara. – Fala Adjaian, concordando com Bia.
– Vou ficar aqui, de prontidão, caso dê alguma merda nessa caverna. Não tenho como fundear aqui. Se eu for com vocês a maré vai estraçalhar o barco. – Responde Jim.
– Tudo bem. Mas podia ficar uma mulher com ele. – Sugere Adjaian.
Luna olha de cara feia para o colega corvo, e devolve:
– Fica você então.
Marbal começa a rir. Adjaian nem responde, se adiantando para o interior da caverna com o gigante e Kreuber. Bia tenta convencer o irmão mais uma vez, mas ele está convicto. Foi a última vez que o viu com vida.
Da entrada da caverna, entra uma enorme labareda de fogo, incrivelmente forte e densa, que incinera Jim e o barco instantaneamente. Sentindo o bafo extremamente quente do dragão a poucos metros, que chega a queimar sua pele, Bia grita horrorizada, mas corre desesperada para tentar se juntar ao resto do grupo. Mais ao fundo, Marbal se encosta numa parede, para se proteger das chamas.
Dragões de Fogo estavam no topo da cadeia alimentar de Asgaehart. Inteligentíssimos, os lagartos alados eram absurdamente ágeis para o tamanho. Tinham de 15 a 20 metros de altura, e quase 50 de envergadura. Um verdadeiro colosso. Matavam diplodontes com facilidade, os maiores animais conhecidos, que chegavam a medir mais de 100 metros de comprimento.
Sem conseguir entrar na gruta apertada, Malboro tinha soltado sua voz na caverna. Lend, Sif e Kreuber também sofrem queimaduras, por conta da intensidade do calor. Manche dá um salto para escapar, provocando a reação irônica de Adjaian, que também tinha se saído ileso do ataque:
– Na risca, hein professor?
A névoa quente da água vaporizada toma conta do local, tornando o clima ainda mais sufocante.
– Dragão filho da puta! Perder o Jim é foda! – Exclama Marbal, enquanto se adianta para o interior da caverna.
– Preto teimoso. – Responde Adjaian, criticando a decisão do tigunar. Com lágrimas de tristeza e raiva nos olhos, Bia se enfurece com o jovem vilando:
– Você tinha dito que era uma boa ideia, moleque!
– Depois eu pedi para ele vir com a gente também, porra. Mas não quero zoar o defunto. – Rebate Adjaian.
Apavorado com tudo aquilo, Ben Sif nem acredita que tinha escapado com apenas alguma queimaduras nas mãos e braços. O vapor se dissipa, mas Lend alerta que o dragão ainda deveria estar por ali. Não era seguro tentar sair da caverna.
– Vamos lá, porra. – Marbal convoca o grupo para adentrar o túnel escuro que seguia para o interior da pedra.
– Sim, vamos ver onde essa porra vai dar. Pra frente e avante. – Concorda Adjaian.
Avançando mais um pouco para o fundo da caverna, o grupo escuta quando Malboro solta um arroto de fogo ainda mais potente e mais duradouro que o anterior. Dessa vez, no entanto, como já estavam afastados, tinham visto apenas o grande clarão invadindo a gruta, e sentido aquele bafo absurdamente quente.
– Bota a cara, vagabundo… – Ironiza Adjaian. Dessa vez, no entanto, Manche resolve responder ao jovem vilando, comentando com irritação:
– Tá falando demais, moleque. Já pensou como vamos resgatar as pessoas sem um barco?
***
Enquanto isso, a algumas milhas dali, mais ao norte, Jon Tudur II e Hanna den Darklands continuavam seguindo pela margem do Fiorde, após terem descansado um pouco numa caverna. Cansados e famintos, tinham se alimentado com os ovos que alguns pássaros depositavam em ninhos nas rachaduras das pedras, mas sabiam que não podiam ficar parados ali por muito tempo se quisessem continuar vivos.