106. A Recepção dos Senadores
Instigado por Arley, Suva Kaun entra na frente de Kundahar, o guerreiro de Cibel, e diz:
– Estamos indo para o Veroforte.
Montado em seu cavalo, o cibelo não entende o idioma do tigunar e o ignora. O escudeiro logo recebe as fitas pretas com pontas brancas que representam Cibel, entrega para o cavaleiro e os dois seguem pela ponte até o portal principal da cidadela.
O grupo dos velgas resolve fazer o mesmo. Passando pelo primeiro posto, seguem por uma grande estrada que sobe em aclive até o portal principal de Dankel. Os portões estão abertos, e o povo da cidadela acompanha cada guerreiro que chega com muita festa e reverências.
Mais à frente, um mestre de cerimônias recebe os representantes de cada reino, e orienta os pajens para que os cavalos sejam recolhidos. Nos camarotes superiores, os membros do Senado de Dankel e da elite local parecem se divertir adoidado com muita música e prostitutas.
O cavaleiro de Cibel, que chegou antes, já escolhe um dos vários túneis que se alinham lado a lado para entrar na montanha que esconde o lendário Labirinto dos Verofortes. Para chegar ao túnel, ele passa pelos ringues das etapas eliminatórias, incluindo a grande arena central onde se realizará a luta final. Ao redor dos ringues, constituídos por plataformas circulares suspensas feitas de pedra, se espalha um grande fosso cheio de lama, o mesmo lugar onde a plebe se espreme para ver as lutas das etapas finais.
O escudeiro do campeão de Cibel é conduzido por um dos pajens para o camarote do Senado. Mortagwan não perde tempo, desmonta de seu cavalo e também entra em um dos túneis escavados na face de pedra lisa da montanha, sob gritos de “gostosa!” e “piranha!” da torcida, em vários idiomas. Parecendo até gostar dos elogios, ela manda beijos para a plateia excitada.
Assim que a guerreira de Darklands entra no túnel, os homens da comitiva velga que tiveram sexo com ela na noite anterior começam a se sentir um pouco mais fracos. Com certeza, Mortagwan tinha usado algum tipo de feitiço naquelas relações para se fortalecer na competição. Xpeditus sente a malícia da citroyana imediatamente:
– Piranha! – Esbraveja o guerreiro, antes de admitir: – Mas é gostosa…
Mas ele logo engole o choro e também entra num dos túneis, que se fecha atrás de Xpeditus com um pesado bloco de pedra. A plebe ignara comemora com esgares de deboche e alegria desmedida. Após a entrada, não havia mais retorno voluntário. Somente um corredor escuro iluminado com tochas, já dentro do sistema de calabouços que conduzia ao Labirinto.
Sob vaias e aplausos indistintos, gargalhadas e urros histéricos da plateia, Suva também adentra as passarelas que conectam os ringues até um dos túneis. Pet segue logo depois dele. No camarote, onde várias prostitutas se oferecem aos convidados, e os nobres erguem brindes em homenagem aos competidores, Merlin percebe que o Senador Janus está cercado de guardas. Seminuas, as mulheres bebem e servem taças de um liquor de cor vermelha escura, meio viscoso, um destilado raro feito com sangue de gargos vivos.
Cada competidor que entra nos túneis encontra, no final do corredor escuro, um cômodo amplo com teto em formato de abóbada, também iluminado por tochas, com uma grande porta de madeira guardada por um guerreiro. Quando o competidor chega ao recinto, o sujeito avisa, usando a língua geral do oriente, que se o candidato a Veroforte não for capaz de passar por ele, vai ficar apanhando por ali até desistir de passar pela porta, ou a competição terminar.
***
Enquanto os guerreiros se preparam para a primeira luta, Merlin, Haia, Arley e Ipa resolvem sair do camarote para procurar uma taberna na cidade. Quando os quatro tentam sair do recinto, no entanto, os pajens perguntam para onde vão. Se quiserem passear para conhecer Dankel, eles terão de acompanhá-los. Ipa e Merlin concordam com a exigência, já pensando numa forma de despistá-los, ou pelo menos arrumar alguma vantagem com a companhia dos locais. Assim que deixam o camarote, acompanhados pelos pajens, o grupo percebe que quatro guardas também estão seguindo-os de longe, fazendo um esforço mal sucedido para não serem vistos.
Os pajens levam o grupo a pé por uma estrada de tijolos, que desce até a praça central da cidadela, muito movimentada. A maior taberna da cidade fica no fim de um beco, rodeado por barracas de venda em toda a parte. Há antiquários com potes de cerâmica, peças de metal e utilidades de madeira. Ipa investigar o lugar, segura um objeto qualquer de uma das barracas e pergunta ao vendedor:
– Essa peça é especial?
– Legítima do século passado, nobreza bávara. Tem ouro para comprar? – Diz o sujeito, em bom velga.
Ipa faz uma cara de desdém. Haia e Arley se afastam para outro lado da praça.
– Alguma dessas peças é digna de um rei? – Questiona Ipa.
– Tenho algo especial dentro da tenda. – Diz o vendedor, entrando para pegar o produto.
Pouco depois, ele retorna com uma cópia tosca de uma Espada de Agnix, jurando que é legítima: – Material histórico, amigo velga!
– Não me parece digna. Quero dar algo de presente ao meu rei, mas fiquei frustrado. A cidadela aqui parece ter poucos tesouros e riquezas.
O sujeito se frustra, pois não tinha nada melhor que a espada falsa. Atento a tudo, o pajem se indigna com as palavras:
– Aqui em Dankel temos riquezas bem mais valiosas que essa espada! O senador Boquisosi, sozinho, deve ter mais tesouros que o seu rei! A alameda do Senado também tem as mansões mais lindas de toda a Asgaehart! Bem mais ricas que os castelos rústicos e feios da sua Terra Vélgica.
– Então me leva até lá. Eu duvido que sejam! – Comemora Ipa, sentindo que a isca foi mordida,
– Posso levá-los até o início da Alameda. Mas do portao para cima, onde ficam as casas, ninguém passa.
– Então vamos lá. Quero ver de perto. – Diz Ipa, antes de comprar algumas canecas de vinho e oferecer ao pajem e aos dois guardas que ainda estavam em sua cola.
Do outro lado da praça, em outra barraca, Haia pergunta ao vendedor:
– Qual desses objetos você me indicaria para presentear uma pessoa que aprecia pecas místicas?
Compreendendo o teor da pergunta, o sujeito aponta para uma tenda ao lado de um pequeno chafariz da praça, e responde com poucas palavras:
– Brujas del lago.
***
Enquanto isso, Xpeditus, Pet, Mortagwan e Suva se preparavam para encarar um guardião no fim de cada túnel. Fortalecida pelo feitiço, a citroyana exalava confiança, assim como Suva, que tinha se preparado por meses para aquele momento. Desgastados pela trepada mística, Xpeditus e Pet já não podiam dizer a mesma coisa. Mas a falação tinha acabado. Agora era hora do pau.