37. Luta ou Chorume?

Niuton McFerris, velga de Terras Altas, cadete dos Falcões.

(Antes: 36. Louca Escapada)

Quando resolvem continuar a fuga, Jules, Niuton, Angelus e Jon começam a discutir para qual dos lados da ilha tentarão escapar. Depois de passarem mais de um mês ali, eles sabiam que não teriam uma jornada fácil.

No topo da Ilha de Fedo, que na verdade é uma pedra imensa cravada no litoral norte do Mar de Hill, há um imenso platô com pouco menos de uma milha de distância para qualquer direção. A vegetação cresce apenas nas encostas íngremes de leste e oeste, sendo que para o norte e sul só existem escarpas verticais que se projetam para o mar. Não haviapraias, nem fontes de água doce na ilha, o que obrigava a um racionamento insuportável, além da falta de banhos.

Duas torres eram utilizadas pelos inspetores para vigiar o trabalho no platô. Uma na costa oeste, onde estavam localizados os aposentos dos guardas, que também dava passagem para as escadarias de acesso ao único cais disponível. Big George, que gerenciava o campo de concentração, estava sempre ali. Outra na parte mais alta da ilha, ao sul, que também servia como farol para os navegantes do Mar de Hill.

Assim que saem do buraco da mina, Niuton segue até uma pedra onde tinha escondido dois saquinhos com doses de poeira cristal. Ele não costumava usar a droga estimulante à toa, mas agora aquilo podia ser útil. Para o jovem nobre das Terras Altas, a melhor opção de fuga seria pelo norte, atravessando o curtume que era supervisionado pelo velho “Casca de Suvaco”, ou simplesmente “Casca”. Este era um vilando obeso com péssimos hábitos de higiene, que criava porcos em meio a toda aquela podridão de restos de animais, e alguns cachorros. Mas a fuga pela costa norte incluía um salto arriscado de um penhasco com cerca de trinta metros de altura, com pedras ameaçadoras muito próximas da água.

Jules fica pensativo com a sugestão. Para ele o salto não seria um problema, mas estava pensando nos companheiros menos ágeis, como Angelus. A questão era que as outras alternativas também não eram nada boas. Para o sul, atravessando a pedreira, eles teriam de encarar muitos cães de guarda, além de tentar um salto ainda mais arriscado dos penhascos mais altos da ilha. Uns quarenta metros de queda até o mar.

Fugir pelo leste significava ter de atravessar as forjas, carvoarias e fornos, com o objetivo de descer pela encosta mais suave da ilha, atravessando uma mata fechada cheia de cobras. O maior problema seria passar pelo Doutor Mengele, um velho mestre ferreiro de raça vulkânica, que diziam ter sido aprendiz de Imperatrix. Se optassem pela costa oeste, atravessando os campos de treinamento físico para descer uma encosta íngreme e pedregosa, com vegetação cerrada, teriam de passar pela Torre da Guarda, chefiada pelo próprio Big George. Ou então dar um jeito de seguir escondido pelas escadarias até o cais, o que parecia muito improvável.

– Se não seguirmos pelo curtume, a outra opção é encarar o Big George. – completa Niuton.

– Foda vai ser encarar aqueles cachorros… Casca tem pelo menos uns seis Pastores dos Piktos. Já viram o tamanho das crianças? – Responde Jules.

– Quem vai comigo agora, sem perder mais tempo? – Desafia Niuton.

– Angelus e Jon podem ter problemas no salto. – Insiste Jules.

– Dane-se. Se eu estivesse no lugar de vocês, também iria pela costa norte. – Finaliza Niuton, já correndo na direção do curtume.

– Vou tentar esse pulo. – Diz o pequeno Jon Tudur.

Angelus também concorda. Jules fica apreensivo, pois lembra que deixou a lança com Kathra. A arma poderia ser muito útil para enfrentar os cães, mas se voltasse agora, eles perderiam a vantagem. Pressionados, o resto do grupo decide seguir Niuton.

Enquanto isso, no fosso da mina, Kathra continua escalando a corda, e os Corvos puxam juntos o cesto com Gunter Kron. Após uns minutos, eles acabam alcançando o platô praticamente juntos. Hanna, Luna e Adjaian discutem rapidamente o que fazer, e decidem correr na direção dos fornos, para encarar o Doutor Mengele.

O filho de Iuri Petersen segue para o norte, pois sabia que Niuton tinha preferência em fugir por ali, e era bastante convincente. Mesmo atrás, ele corre o mais rápido que pode para tentar encontrar o resto do grupo. Antes disso, porém, resolve provocar Adjaian, que já se distanciava para o leste, gritando na direção dos Corvos:

– Djavan é meu ovo!

Mais à frente, Niuton, Jules, Angelus e Jon logo percebem dois enormes cães de guarda no alto da colina adiante. Quando veem os intrusos, os pastores dão um uivo alto e descem em disparada, sem latir nem rosnar, correndo decididos na direção dos invasores. 

Os Falcões ficam bolados com a situação. Se lutassem com os cães, correriam o risco de chamar a atenção dos guardas nas torres. Teriam de resolver a luta rapidamente. No lado esquerdo, há uma grande poça fedorenta de chorume, proveniente do trabalho sujo com as carnes podres. Se encarassem aquele caldo nojento, poderiam evitar os cães e tentar passar sorrateiramente pelo curtume. Niuton, Angelus e Jon ameaçam seguir para lá, mas Jules avista Kathra vindo na direção deles, ainda longe. Mesmo armado com a lança, o vulcânico seria uma presa fácil para os dois cachorros.

Somente Niuton continua correndo e pula na lagoa de chorume. Nem os cães entravam ali.

– Vandu! Vai tomar no cu! – grita Niuton quando pula no meio daquele fedor infernal.

Jules, Angelus e Jon decidem voltar e ajudar Kathra a enfrentar os cães pastores.

– Tô com fome… Vou comer esses cachorrinhos. – Diz Angelus, irônico.

Enquanto isso, os Corvos seguem na direção leste e avistam os tenebrosos fornos de produção de carvão, que brilham ao longe conferindo um aspecto assustador ao local. Com toda aquela iluminação, eles sabem que seria bem arriscado atravessar a área.Mais à frente, era possível avistar a entrada das catacumbas onde se localizam as forjas de metal, que também serviam de aposento para o velho Mengele. Passar reto por ali era o caminho mais rápido para chegar à costa da ilha. Mas talvez fosse melhor entrar no matagal à direita, ou tentar contornar área por uma trilha na direção noroeste.

– Vamos encarar o velho. – Sugere Adjaian.

Hanna concorda, e os corvos seguem adiante pelas sombras, com cuidado, alertas à qualquer movimentação. Tudo ia bem até chegarem perto das catacumbas, quando sentem um cheiro adocicado que toma conta do local. Já era tarde demais quando Viktor percebeu que aquilo era um tipo rudimentar de bruma do sono, do mesmo tipo que seu pai tinha desenvolvido para o Colegiado. Adjaian, Hanna e Kron conseguem resistir ao torpor, mas Luna e o próprio Fuscão caem desmaiados.

No curtume, Kathra se encontra com Jules, Angelus e Jon. Os cachorros já estão bem próximos. A luta é iminente. Ele pergunta aos amigos onde está Niuton, e começa a gargalhar quando eles informam que o jovem McFerris pulou na poça de chorume:

– Puta que o pariu! Niutin vai ficar fedendo à merda vencida!

Os falcões se dividem em dois grupos para enfrentar os cães, que já chegam de forma agressiva. Jules e Kathra de um lado, Angelus e Jon de outro.

Na região dos fornos, Hanna, Adjaian e Kron avistam à distância dois cavaleiros montados e armados até os dentes, um da Dokhe e outro da Hokhe. Aquela era uma visão ao mesmo tempo impressionante e atemorizante, pois nunca tinham visto nenhum cavalo na ilha. Hanna e Adjaian se entreolham, e decidem que é hora de enfrentá-los.

– Kron, você fica aqui cuidando dos dois! – Grita Adjaian para o agunar.

– É o caralho! Vou pra porrada também! – Responde Kron, complementando: – Que se foda!

– Eles não podem ficar aqui sozinhos! – Devolve Adjaian.

– Não. Se é porrada, tô dentro! – Finaliza Kron

Os três deixam Viktor e Luna caídos e resolvem seguir adiante para enfrentar os cavaleiros.

No curtume e nos fornos, tava na hora do pau. Com exceção dos corvos adormecidos, e de Niuton, que tinha pulado na lagoa podre e já ganhava uma vantagem considerável para os demais.

(Continua: 38. Alerta na Ilha)

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