34. A Colônia de Férias
(Antes: os capítulos 1 a 33 estão disponíveis no livro “Asgaehart: as invasões bárbaras“)
528 cl.
15 anos se passaram desde que a Aurora da Morte brilhou pela última vez em Asgaehart, eliminando todos os habitantes do Reino de Hogan e do Ducado de Darklands. Para os alamanos, o ataque mortífero ao maior de seus reinos teve um efeito moral devastador, colocando um fim ao terceiro ciclo das invasões bárbaras no continente.
Dos guerreiros da Bruma, a cavalaria de elite criada pelo Duque de Darklands com o auxílio do mago Vitiferralis, e que foram enviados para as missões suicidas, Erin Van Vossen e Arela tinham morrido em Saravessa. Quanto ao mago, nenhum sinal de vida. Assim como Iuri Kathra, presumia-se que o discípulo mais antigo de Imperatrix não tinha sobrevivido à grande massa de energia infernal liberada em Hogan. O que, de certa forma, era até uma boa notícia, pois ninguém poderia saber como o velho feiticeiro elemental reagiria quando encontrasse todos os seus filhos e netos mortos em Darklands. Apenas Vandu, o gigante tigunar, e o cavaleiro Jon Tudur tinham retornado da missão.
Depois de desistir de matar toda a população de Saravessa, Tudur retornou a uma Darklands dizimada e entregou o último Cristal de Kali a Imperatrix. Um ano depois, o mestre necromante conseguiu descobrir uma maneira de particionar a pequena pedra brilhante em minúsculos fragmentos. Com isso, alguns magos do colegiado contavam agora com um poder assustador, carregando consigo pequenas doses da Aurora em pequenas caixas de chumbo.
Apesar do trágico destino da Terra das Sombras, o resultado final do confronto tinha sido muito favorável aos velgas, que retomaram o controle de todas as cidadelas do Mar do Norte poucos meses após os eventos. Kadwan den Darklands, filho do Duque, que não estava acostumado com assuntos de guerra, teve que assumir, de uma hora para outra, o título de nobreza e a patente de General da Dokhe, a cavalaria negra. Com a ajuda de Vandu, ele recrutou novos integrantes para a Bruma, que tinha se tornado muito conhecida após a missão em Hogan. Jon Tudur, por sua vez, adotou de vez o estilo dos Arautos de Hevelgar. Morando em uma velha cabana no alto da Cordilheira Cabeça-de-tigre, tornou-se o defensor dos povos do oriente, no lugar de Crisagon Dux. Em 514 cl., Tudur teve um filho com uma camponesa oriental, que não resistiu ao parto.
Com expedições empreendidas nos anos seguintes, os velgas conseguiram expulsar os bárbaros alamanos tanto da Planície do Hevan, a leste, quanto na Planície dos Reis e Baixa Gaules, a oeste. A aliança também tinha retomado as vilas de Shyne, Yaztrik e Danzig, antigos vassalos do Reino de Viktoria. Este, por sua vez, tinha saído muito enfraquecido com o desenrolar dos acontecimentos. Seus vizinhos velgas, agora vitoriosos, ainda estavam ressentidos com as decisões do Rei Vortimer, que tinha cedido à pressão dos alamanos, entregando a mão de sua filha Anni para o Príncipe de Saravessa. Em 522 cl., quando da morte do velho rei, os bárbaros reivindicaram o trono para o jovem herdeiro, filho da princesa com o nobre bárbaro, então com oito anos.
Temendo pela reação dos demais reinos velgas, caso a regência passasse aos alamanos, uma parte da nobreza resolveu dar um golpe que pôs fim à dinastia real De Gris, proclamando o Marquês de Erikland, Agnus Pendragon, como novo rei. Mesmo assim, a influência de Viktoria tinha se reduzido muito, e já era possível afirmar que a antiga Pentarquia Velga tinha se transformado em uma Tetrarquia, com Van Hal, Terras Altas, Aquitan e Darklands, que aos poucos estava sendo repovoada com imigrantes das terras vizinhas e os descendentes dos antigos habitantes que tinham sobrevivido à eclosão da Aurora da Morte.
Os últimos cinco anos tinham sido especialmente generosos com os exércitos da Terra Vélgica. Em 523 cl., na batalha de Geran, os velgas e seus aliados de Cibel, Gaules e Citroya finalmente tinham conseguido impor um bloqueio naval à marinha alamana, cujas forças agora estavam divididas e confinadas ao Mar de Hogan e ao Mar Exterior. A onda de otimismo também se refletiu em um grande desenvolvimento econômico, estimulado pelos tempos de paz na região, e pela repetição de invernos temperados, bons para a lavoura e o gado.
Para os jovens aspirantes a uma carreira na cavalaria velga, os tempos são promissores. De fato, a vitória contra o inimigo comum tinha amenizado bastante as disputas internas motivadas por diferenças religiosas entre os adeptos da nova e da antiga religião. Em 518 cl., com a fundação da Academia de Flâmages (ACAFAM), jovens cadetes de todos os reinos da Terra Vélgica já treinavam juntos com um uniforme cinza, antes de decidirem seguir a Dokhe ou a Hokhe, a cavalaria sediada em Terras Altas. Apesar da união cada vez mais forte, as cavalarias continuavam independentes: os cavaleiros negros, majoritariamente sediados em Darklands e Van Hal, continuavam leais ao Duque de Darklands e a Imperatrix. Os cavaleiros sagrados, de Aquitan, Van Hal e Terras Altas, seguiam as ordens do general Arno McFerris e da casta sacerdotal, embora também respeitassem muito a figura sombria do velho mago necromante, principal conselheiro de todos os reis velgas, há séculos.
Com o sucesso das missões da Bruma, o velho rei de Van Hal convocou Vandu para comandar a ACAFAM, o que o tigunar fez com mão de ferro. Em dez anos de existência, a Academia tornou-se o maior celeiro do exército velga, mas a seleção é cruel: todo ano, recebe o alistamento de cerca de duzentos jovens, homens e mulheres entre 14 e 17 anos, a maioria de origem nobre. Mais da metade pede para sair, anualmente, por não aguentar o ritmo insano de treinamento. Mas o pior era a chamada “Colônia de Férias”.
A tal Colônia era uma etapa obrigatória para a formação dos cadetes. Todo ano, apenas uma centena deles eram “convidados” para a temporada de inverno numa pequena ilha rochosa no litoral nordeste do Mar de Hill, perto de Flamme. Trata-se de Fedo, uma antiga mina de prata abandonada, usada durante muito tempo como prisão pelo Reino de Aquitan. Escolhida por Vandu, que transformou o local numa espécie de campo de concentração, a ilha entrou para o folclore da Academia. De cada cem cadetes que chegam a Fedo, mais de oitenta pedem para ir embora antes do fim do treinamento. Para quem desistia da Colônia, era permitido voltar para a ACAFAM e se preparar melhor para o próximo ano. A maioria, no entanto, acabava largando mão da carreira militar, traumatizada com a experiência.
Mas os formandos que resistiam ao treinamento em cada ano saíam dali preparados para assumir os postos de elite da cavalaria velga. Como Vandu gostava de afirmar, só há duas formas de deixar a ilha: a primeira é pedir pra sair, reconhecendo que ainda não está pronto; a segunda é passar pelo desafio, recebendo a autorização do gerente da ilha, Big George, um tigunar obeso, braço direito do chefe.
– E se alguém fugir? – Pergunta Niuton McFerris, um dos escolhidos, em tom desafiador.
– Se alguém conseguir fugir daqui, moleque… – rebate Vandu, tentando disfarçar o riso – Eu mesmo entrego a patente de Maverick quando o sujeito chegar em Van Hal.
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