43. O Templo do Desespero
[Antes: 42. Graduação Dolorosa]
No estranho templo localizado em alguma caverna do Fiorde Ocidental, Jules, Hanna e Jon olham com espanto para os altares localizados no alto do fosso onde foram jogados. Como nichos de uma estante gigantesca, cada um deles abrigava garrafas de vidro do tamanho de uma pessoa encolhida, algumas delas preenchidas com os pobres coitados recém capturados, aprisionados no interior dos incômodos recipientes.
Algumas pessoas gritavam por ajuda, outras apenas choravam e rangiam os dentes, o que conferia ao lugar uma trilha sonora aterrorizante. O gás inebriante continuava sendo emitido pelas entranhas da pedra, e duas pessoas já estavam desmaiadas no local. Seguindo as recomendações de Fuscão, que costumava fazer experimentos com a bruma desenvolvida por seu pai, os três colam o rosto no chão e tentam prender a respiração o máximo de tempo possível, para resistir à intoxicação. Hanna e Jon ficam um pouco tontos, mas conseguem se manter acordados. Assim que a fumaça se dissipa, eles averiguam o local de forma mais detida.
No canto leste do fosso, abria-se um arco para uma grande plataforma de pedra, de frente para as águas do Fiorde, a uma altura estimada de mais de 50 metros do nível do mar. A caverna ficava em uma área completamente isolada, fazendo com que os urros das pessoas aprisionadas nas garrafas ecoassem sinistramente pelos penhascos. O clima de desespero era sufocante. Algumas delas pareciam estar ali há mais de um dia, dividindo o exíguo espaço com os próprios dejetos, o que tornava a situação ainda mais desagradável.
Algumas garrafas estavam vazias, e os três cadetes não estavam dispostos a ficar muito tempo ali para saber quem tinha colocado os prisioneiros dentro daqueles recipientes, e como. Jules contou quinze pessoas naquela situação, sendo que pelo menos duas pareciam já estar mortas, pois não demonstravam qualquer reação, nem mesmo os vapores da respiração. Somando eles três, mais os dois desacordados no fosso, eram vinte ali. Os altares vazios indicavam que o responsável por aquela maldade esperava não apenas preencher as que estavam vazias, mas também colocar mais garrafas naquela coleção macabra.
Quando Hanna e Jon tentavam identificar as pessoas que dormiam no chão, um outro draco aparece no local, largando mais uma prisioneira: era uma adolescente, bem vestida, também desmaiada. Quando o animal alado, mais ou menos do tamanho de um cavalo, avistou os intrusos que ainda estavam acordados, deu um grito e partiu para o ataque.
Jon pensa em saltar da plataforma, mas percebe que Jules e Hanna têm um plano. Eles se juntam de costas um para o outro, para proteção mútua. Mesmo preocupado com os berros do draco, que certamente deveriam chamar a atenção dos outros bichos, Jon resolve se unir aos amigos. No primeiro bote, a estratégia dá certo. Quando o animal ataca Hanna, Jules e Jon conseguem defendê-la, atacando os flancos do draco, que se afasta. Mas o bicho retorna e dessa vez tenta ferir Jon com suas garras, que se vê obrigado a rolar na direção de um canto da caverna, para se livrar do ataque.
Enquanto o draco se prepara para um novo bote, Jon avista um pergaminho enrolado, guardado em um pequeno nicho no alto da parede de pedra. O animal voa para atacar o jovem Tudur, mas Hanna consegue defendê-lo, e Jules aproveita o momento para saltar nas costas do bicho, se agarrando ao pescoço do draco para tentar controlá-lo. Enquanto isso, Jon começa a escalar a parede para tentar alcançar o manuscrito feito de couro.
O líder dos falcões luta com o animal em pleno voo, dentro da caverna, para evitar que ele o arremesse ao chão. Hanna assiste a tudo apreensiva, sem ter o que fazer para ajudar. Quando alcança o nicho onde está o pergaminho, Jon dá uma olhada rápida nos caracteres desenhados e percebe que foi escrito em uma língua que ele não conhece. O pequeno Tudur então joga a peça de couro para a herdeira do ducado das sombras, que tem apenas uma vaga ideia do que está escrito ali.
– É algo sobre a fêmea dos dragões de fogo! – Grita Hanna, já se preocupando com o conteúdo do manuscrito.
– Putz! Não era mesmo o que a gente estava precisando… – Diz Jon.
Enquanto Jules continua se esforçando e começa a controlar o voo do bicho, ainda com dificuldades, todos ali percebem a silhueta de outros dracos voando na direção da caverna. A situação tinha se complicado de vez. Eles não teriam como salvar nenhum daqueles coitados, e talvez nem a si mesmos. No desespero, mas com convicção, Hanna grita:
– Jules! Você precisa levar esse pergaminho para a Clave, voando nesse draco!
– Não, Hanna! Não posso deixá-los aqui!
– Nós vamos pular! – Responde Hanna.
– Não! É muito perigoso! – Rebate Jules.
Hanna não dá chance para que ele tente outra coisa, arremessando o manuscrito para Jules, ao mesmo tempo em que olha para Jon e corre na direção da plataforma. Sem opção, o jovem Tudur segue a líder dos corvos, e eles saltam quase juntos um pouco antes de que um bando de dracos chegue à caverna. Após agarrar a peça de couro, Jules conduz o animal para fora da caverna, obrigando-o a dar um voo rasante para o sul.
Após uma queda livre que parece interminável, Hanna e Jon caem nas águas geladas do Fiorde. Por milagre, uma camada de algas esponjosas amortece a queda, livrando-os de algum dano físico mais contundente. Já bastava a sensação ardida de ter a pele quase arrancada. Nadando para se esconder em algumas pedras do litoral, eles conseguem ver Jules se afastando ao longe, com o pergaminho em seu poder.
Pouco depois, enquanto os dois cadetes procuram se abrigar em uma caverna estreita, perto da linha d’água, uma figura sombria chega até ao templo sinistro no alto da escarpa, montado em um draco.
Era o velho mago Vitiferralis, desaparecido há mais de uma década. Estava ainda mais velho, ainda mais pálido, ainda mais carcomido, mas vivo. Ao seu redor, o vento parecia formar estranhos rodamoinhos. Portando uma lendária Cornucópia Rubi, que tinha o poder de estourar a cabeça de quem escutasse o som produzido por aquele instrumento mágico de sopro, ele logo percebe que algo estava errado por ali. Alguém tinha profanado o seu templo, e roubado um de seus tesouros.
Aquilo não iria ficar assim.